quinta-feira, 17 de agosto de 2017

espero o dia nascer

Hoje completo 6 meses no meu novo emprego. Ainda falta muito para conhecer desse lugar-cela-sala, mas já sei caminhar pelos corredores sem o susto do que vem ao meu encontro, seja uma criança correndo com tesoura na mão ou um carrinho de limpeza. Ainda não ouso correr e ando com uma mão à frente, na expectativa de amparar aquele que esbarrar em mim. Alguns costumes necessários neste lugar eu já trazia comigo, como o de olhar para baixo e o de sorrir com sinceridade, por mais que não seja o que sinto. Todos me julgam competente e responsável, mas eu sei o que realmente sou: uma besta adormecida, cujos dentes mordem forte e as garras tiram sangue fácil. Apesar disso, quase que diariamente, me escondo entre as pelúcias do maternal 1 e aceito o carinho vindo das mãos pequenas. Outros costumes aprendi com o tempo, como o hábito de dizer não imediatamente após o pedido e esperar algum argumento que me convença do contrário. Ainda guardo alguns desejos antigos. Eu iria escrever "aguardo pelos seus olhos a me buscar no infinito do estacionamento", mas minha vida não pode girar em torno da sua, ainda mais quando a sua está tão distante da minha. Penso em como aprender a odiar para não morrer de amor, não, não é isso que gostaria de dizer. Gostaria de te contar sobre Davi e Eduardo, dois pequenos amendoins que me beijam e abraçam sem medo. Eles me pedem para não ir embora e eu fico, cativa e imóvel. 
Ainda sobre meu emprego, tenho alguns contratempos irremediáveis que me tiram o sono. Alunos que mandam nos professores, coordenadores que culpam professores, pais que culpam coordenadores e assim vejo se materializar o problema da Educação que meu pai me fala desde sempre. Penso comigo "tudo bem", mas, no fundo, isso tudo me incomoda e, quando tento agir, esbarro em alguém maior que eu. Normalmente, esse alguém anda com uma tesoura na mão. 
Da minha sala eu conheço os objetos e a ordem deles. A senha do computador me fala do tempo parado e da falta de expectativas. A cadeira pende para a direita, o que me faz tomar cuidado quando me sento ou levanto. Além disso, guardo as cartinhas que recebo numa caixinha de E.V.A. e os pinceis num estojo azul escuro. No caderno que recebi, escrevo pouca coisa, o que é uma pena, pois poderia ser melhor utilizado por alguém que saiba o que faz, eu não sei. Do caos da minha mente, estruturo a realidade para não precisar de um pião de plástico para diferenciar realidade e sonho.
Os meus pilares profissionais são Kênia e Adriana. Kênia é o que quero me tornar. Ela é doce, competente, tem uma vida fora da escola e sabe falar dos sentimentos mais profundos e sem nomes. Adriana é minha mãe. Forte, dura, líder inalcançável à frente de um exército. Quando ela e minha mãe se encontraram foi duas generais se medindo e decidindo entre guerra ou paz com o olhar. E eu, espectadora daquele encontro, soube que minha mãe envelhecera, talvez não ganhasse pela força, mas pela sabedoria e calma em seus movimentos bélicos. Vi Adriana se agigantar e engolir minha mãe, como a noite que abre sua boca negra e engole o dia, vi minha mãe recuar e segurar minha mão. Nos olhos de Adriana, por fim, quando encontraram com os meus, vi um respeito pela minha genealogia, e não por mim. Agradeço à minha mãe pelo sacrifício mudo.

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