quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Pra falar a verdade...

Por quantos mais mil anos ficarei às voltas com as mesmas fucking preocupações? O mundo gira, o tempo passa e eu? Parada, vendo pela janela suja de barro tudo o que acontece do lado de fora. Nada me permito. Nada faço. Nada. Absolutamente nada. Minhas amigas me acham forte, porque lhes conto as amarguras que docemente cultivo no peito aberto, mas nada sabem sobre a janela e sobre a vida que não toco. "Tudo doi", foi o que primeiro me disse para não ter que sair à rua, foi minha primeira mentira e foi suave. Depois dela, outras mais severas e cruas tomaram seus lugares, "você não vai sair hoje, porque daqui a pouco passará no rádio aquela canção", que nunca passava, ou "aquele menino vai lhe atirar outra pedra, fica aqui que é mais seguro" e de seguro em seguro, deixei criar brotoejas meus pés e não me importei com os primeiros grãos de poeira que se assentaram na janela. 
E aqui estou. Em pé. Enfrentando a janela e todas as mentiras que me convenci reais me enfrentam. Não sou forte o suficiente para desenraíza-las de mim e elas o sabem, mas também não as quero. Crio fantasias com pessoas que vislumbro através do barro, caso-me e tenho filhos, ou viajo o mundo e nunca mais se ouve falar de mim, ou crio flores num jardim pequeno e ensino crianças a tocar piano... os homens de minha vida imaginada chegam sempre à mesma conclusão: você não se abre, não fala de si mesma. Olho para dentro, procurando o que falar de mim e me vejo morta, seca, presa por mentiras que se alimentam vagarosa e deliciosamente das últimas gotas vitais que carrego. Volto dessa visão tenebrosa e digo, simplesmente: "entre em meu labirinto e descubra quem sou". Mais uma esfinge sem segredo, mas uma mentira. Não me movo, perco o equilíbrio, mas não caio, presa que estou ao irreal, ao que não doi, ao que não sou eu.
Se tenho tanta vontade assim de abrir a janela e correr o mundo, por que não o faço? Você, alguma vez na sua vida, caiu e viu o sangue surgir devagar sobre a roupa? Neste instante, você soube que seu pai poderia te ajudar e correu até ele como se sua vida dependesse disso (e naquele momento ela dependia)? Sabe o olhar dele ao te ver correndo e chamando por ele desesperado? Sabe os braços que te alcançaram o mais rápido possível e os olhos agitados tentando entender o que você estava dizendo entre palavras, lágrimas e soluços? Sabe a proteção daqueles milésimos de instantes? Por isso eu não corro, porque no mundo imaginário, eu vivo constantemente nesse milésimo de segundo. E tanto que já briguei e terminei relacionamentos por eles preferirem a ilusão à realidade! Eu brigava comigo mesma, ficava com raiva de mim, que me tornei fraca para receber amor, para ser notada e fiz disso uma prisão.
Mas talvez, porque no meu milésimo de segundo eu não recebi o olhar nem o calor, nem as mãos firmes a me segurar, talvez eu só tenha continuado correndo até não conseguir mais, até não existir mais nada pelo quê andar e então parei e continuo parada. Espero pensar em algum motivo para me pôr de pé. Enquanto isso, construo um labirinto para prender esse medo insano de não ter ninguém ao meu lado quando eu mais preciso, porque eu sou a melhor pessoa para estar ao meu lado quando eu mais preciso, eu sou meu melhor conselho, eu sou minha casa e meu refúgio, meu melhor namorado e mais sábio mestre.
E nesse lampejo de força projeto um futuro de asas, sopro gentil a chama e oro permanentemente para que não se apague, para que eu dê pelo menos mais um passo que seja. Estou quase na esquina, algo novo deve me aguardar. Mais um passo, mais um momento da chama. 
Volto a ficar engessada no escuro.