quinta-feira, 22 de março de 2012

21/03/2012

Pego um ônibus. Tudo chacoalha por tempo suficiente. Me sento. Sinto a maquiagem escorrer, derreter minha pele, deslizar pelo corredor e se espalhar pelo asfalto escuro. Chego. A livraria é grande e bem diferente do que imanginei minha vida interia. Quais segredos todas aquelas páginas contavam? Quem os ouviu será que compreendeu? E o barulho do subsolo? Por que ruiam os alicerces da Terra? Vi do outro lado da pista sapatos brancos e pensei é ele que vem lá. E era. Um meio abraço desconcertado aqueceu por alguns segundos meu coração morto. Ah, teve uma piada sem graça que e sorri. O pacote foi entregue. Mas tudo isso é besteira, se comparado com o que veio depois. Foi a chuva. Ah, também houve um momento de massagem e conversas entre minha alma e a dele pelo tempo que dura a eternidade. Como duas mãos que se dão cegas ante o abismo que atrapalha o caminho, assim é nosso encontro: incerto e sem ar. Pulamos sempre a linha rabiscada no chão e, com grandes olhos satisfeitos, levantamos os braços com a pedrinha firme entre os dedos. Quais deles são os meus? A chuva me molhou os cabelos cacheados, minha blusa branca deixou ver a renda roxa do sutiã puta. Sorri. Meu  rosto estava de novo se aquecendo.
Um novo rumo, talvez. Qualquer outro sonho, menos o meu que me sequestra o sono e me traz na memória aquilo que esqueço todos os dias. Na memória a vida, eu. Penso tudo bem que seja assim, tudo bem. Me viram chegando as pessoas e já disseram se vier com aquele papinho de coração dilacerado, já sabe! Vou-me embora e você fica. O que não entendem é que chamo daquilo que eu bem entender a dor que me convém. E chamo-a de dor-de-adeus, que é pior que dor-de-morte. E chamo-o de amor-eterno, porque daí o erro é desculpável e se torna mais leve.

Agora sei que o que chacoalha é meu peito, deitando fora a água podre da solidão desmedida.



segunda-feira, 19 de março de 2012

BoRbOlEtA mal-criada

Passeia de flor em flor
a borboleta mal-criada
do meu coração azul.

Ela se embrenha e se desembrenha
enrolando suas asas
na seda do meu vestido,
Ah, borboleta desbotada,

Por que me deixar imóvel,
se tudo o que quero
é retribuir o farfalhar de suas
doces asas em mim?

Mas de mim, queres distância
que já me contaram
sobre sua nova paixão - essa
de olhos lagos e algo mais -
já me negaram o sonho,
o sonho, o sonho.

Borboleta desbotada,
leve ao menos minhas cores
para que o Amor não morra -
em mim.


***


segunda-feira, 12 de março de 2012

tatto











Andorinhas voam, voam, presas na pele.
Para aonde vão?
Seus olhos fitam o infinito...

Andorinhas voam, voam 
e não saem da pele desenhada.
Para aonde vão?

Seus olhos são pontos negros
na pele clara.
As andorinhas andorinham.

O que não sabem as andorinhas andorizantes 
e é triste que não saibam
é que estão presas na pele- gaiola- prisão.

SoCoRrOoOoOoO!!!!!!!!!


sexta-feira, 9 de março de 2012

Jamais Te Amei Tanto, de Bertold Brecht



Jamais te amei tanto, ma soeur
Como ao te deixar naquele pôr do sol
O bosque me engoliu, o bosque azul, ma soeur
Sobre o qual sempre ficavam as estrelas pálidas
No Oeste.
Eu ri bem pouco, não ri, ma soeur
Eu que brincava ao encontro do destino negro -
Enquanto os rostos atrás de mim lentamente
Iam desaparecendo no anoitecer do bosque azul.
Tudo foi belo nessa tarde única, ma soeur
Jamais igual, antes ou depois -
É verdade que me ficaram apenas os pássaros
Que à noite sentem fome no negro céu.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Do Inquieto Oceano da Multidão, Walt Whitman

Do inquieto oceano da multidão veio a mim uma gota gentilmente 
suspirando: 

— Eu te amo, há longo tempo 
fiz uma extensa caminhada apenas 
para te olhar, tocar-te, 
pois não podia morrer 
sem te olhar uma vez antes, 
com o meu temor de perder-te depois.
 

— Agora nos encontramos e olhamos, 
estamos salvos, 
retorna em paz ao oceano, meu amor, 
também sou parte do oceano, meu amor, 
não estamos assim tão separados, 
olha a imensa curvatura, 
a coesão de tudo tão perfeito! 
Quanto a mim e a ti, 
separa-nos o mar irresistível 
levando-nos algum tempo afastados, 
embora não possa afastar-nos sempre: 

não fiques impaciente — um breve espaço 
e fica certa de que eu saúdo o ar, 
a terra e o oceano, 
todos os dias ao pôr-do-sol 
por tua amada causa, meu amor. 



Março...

Li um livro há alguns dias, "Trabalhadores do Mar", de Victor Hugo. Bela a história. Não, não é sobre o livro q falarei, é da pergunta que ainda me dá nós sobre nós na garganta: "será que você ainda pensa em mim?". Março começa em mim com um gosto de suspense, não tenho certeza de mais nada. Tudo é turvo e barulhento, como a tempestade nas Douvres. Ao mesmo tempo em que o mar ameaça e geme, traz consigo aquela tranquilidade que somente o mar o pode fazer: seu gemido entra em consonância com o da alma, e, por instantes, se tornam um só. É exatamente dessa paz que escrevo. Gilliatt deu o melhor si, aquilo que só se é dado uma vez na vida, os 35 presentes e uma vida inteira de respeito e admiração, e morreu como rei daquilo que dominou com dificuldade, o mar. Assim queria ser eu, mas parei na metade do caminho e me fiz pedra. Agora rolo de uma relação à outra, sem nunca me deixar tocar. Faço bem? Já não sei. Amar como Gilliatt é o novo desafio que me move, porém receio fracassar como o fiz com a Rosa, de O Pequeno Príncipe. Não soube aprender a amar sem ferir. Gilliatt é minha luz.