sábado, 23 de dezembro de 2017

O nosso encontro começa nos sonhos

Estou num ônibus. Cara colada na janela fechada, é bom observar sem tocar (costumava te observar com a mão no bolso, tentativa de segurar o impulso maior). É noite, à medida que me aproximo da cidade, a expectativa aumenta, assim como as luzes, as ruas, os prédios. O centro da cidade, tão exótico e suas mediações tão comuns, diferenciam-se pelo formato e tamanho dos prédios. No centro, fruto da minha ânsia, os prédios se contorcem, caixas sobrepostas em "x", ou retorcidas por gigantes mãos invisíveis. Nas margens, lugar onde moram meus pais, prédios baixos, com luz pouca. Sinto doer o estômago, coloco a mão sobre minha barriga e algo me aterroriza. Não olho para baixo, não tateio. Respiro como dá e aviso minha mãe que estou chegando. Saio da rodoviária com uma mochila nas costas, entre abraços desencontrados e sorrisos murchos, chego na casa deles. Minha família: líderes de uma trupe de malformados, com um freakshow que me recusei a participar. Temo meu pai e a reação de todos quando me virem assim, vida feita em outro lugar. Alguns aparecem e me abraçam (sinto que queriam ter a força para fugir também), outros murmuram palavrões e jogam pragas. Uma revolta cresce e, quando dou por mim, estou com o dedo na cara de meu pai, berrando aos quatro ventos: "todos lá fora  acham linda a minha cintura fina, mas eu sei que minha deformidade - urso encurvado com cintura de corpete estreito ao máximo - só existe porque fui seu macaco de circo preso tantos anos pela cintura e você nunca afrouxou a corda nem deixou que alguém o fizesse! Se sou assim hoje, sempre olhando o chão ou as coisas à distância, é só porque a jaula era pequena demais para eu me esticar e não me coube espaço!" Agora entendo as dores, a sensação de usurpação da minha vida, mas a revolta não passa. Digo-lhe com mais calma que vim fazer um curso de trapezista no centro. Ele ri e aponta para a jaula, "é para ali que você vai voltar". O Trapezista da trupe vem entre cambalhotas e mortais, sentar-se no colo dele. Seu semblante muda, agora são olhos amorosos, uma voz suave que quase me nina à dormir. Eles riem, o trapezista sai e o caos retorna. O silêncio retumbante me lembra Diu, fico feliz por pensar nele nesse sonho. As paredes da casa estão cheias de frases como "a experiência da vida te leva à morte" ou "amor:..." - algo que não me atrevo a virar a esquina para continuar lendo. São várias plotagens em preto nessas paredes cinzas com luzes que vem de não sei onde e de todos os lugares. Quero que meus pais saibam de minha dor, mas ela parece não ter valor algum ali dentro, quero poder abraça-los sem me sentir estrangeira. Estou sentada de frente para meu pai, ambos em silêncio, ele sorri e diz que me atrasei para o curso, não serei mais aceita. Ele sorri e vejo Diu, ele fala e ouço sua voz, suas mãos não me tocam, mas sei que delas sairá o toque dele. A mágica desse sonho está na cidade vista de longe, na minha preocupação em escrever algo lindo que tocará Pilate, em não esquecer o que as frases diziam, em mencionar que Diu estava lá, em ser um urso de circo presa pela cintura a vida inteira até o momento da liberdade e eu estar neste momento. Percebo que, talvez, Diu seja a ferida cicatrizada sobre a qual temo pôr a mão, que dói às vezes, mas não vai voltar a sangrar. Foi bonito o sonho. 

domingo, 5 de novembro de 2017

Talvez o último sonho

Noite passada te encontrei no Velvet. Como de costume, você de calça jeans e camiseta preta, cabelos arrepiados, barba impecável. Observo seus movimentos de longe (como se fosse possível ficar "longe" no Velvet). Entre uma cerveja e outra, você me vê. Quando nos encaramos, eu não senti nada, nem medo, nem calor, nem fogo, nem vontade de chorar, nem de rir. A corda finalmente se rompeu? Dificilmente. Não conversamos. Abaixei a cabeça e, ao ergue-la, você tinha ido embora. Tudo bem. Queria ainda te dizer "não cantes o eterno amor que sinto. Chore comigo, pois não soube te amar. Chore alto, como as carpideiras, incomode os passarinhos, sopre forte a chama, porque de tanto que não faltou água, matei a flor do amor que crescia invisível na palma da mão. Matei-a ao notar sua presença, matei-a ao olhar demais para os teus olhos de cor de tempestade. Tira-me o pão, o ar, mas se possível for, um dia, sorria de volta para mim e eu voltarei a ter pelo que viver. De verdade verdadeira, você é um sonho bom que mudou o tom da minha vida para sempre". Você se foi e as palavras ficaram. Apodreceram, sabia? Tentei guarda-las num livro grosso na esperança de um dia te entregar, em vão. Creio que do colchão manchado você se desfez, mas a casa continua em pé. O meu sofá quebrou as pernas, agora é baixo, mas tenho guarda-roupas e, na quinta, chegou o som. Sempre foi você, e não B. Não vire o rosto para mim. Reli o que te mandei no Face e tive uma crise de risos. Gzuz me ajude! 
Me desculpe o transtorno.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Você não me faz bem

"Fique mais, que eu gostei de ter você. Não vou mais querer ninguém, agora que sei..." é o que me vem à mente ao saber seu contato não existe mais no meu celular. Fui eu que apaguei ou você que me bloqueou? Ingenuidade minha, eu sei, pensar que isso te incomodaria. Mas, quem sabe, você não está apaixonado por alguém e quer que dê certo e resolveu apagar os fracassos anteriores. Eu mesma me dilacerei tantas vezes e recusei o bálsamo tantas outras, que já nem sei o que sou: ferida ou unguento. Mesmo assim, peço a quem quer que reja o Universo que cuide de você e te abra os caminhos. Peço com tanta força e vontade para que você seja feliz, que, por segundos, sinto o peito arder um calor sacro de pedido realizado com sucesso. Minha mente vaga em busca da sua, minhas mãos querem somente o calor das suas mãos e meu sexo, ah! deixa quieto! No que eu te tornei? Quantos mantos ideais tive que sobrepor para encobrir seus pés de barro? E com quantas águas lavei seu coração amarelo para que, ao menos, sonhasse com teu beijo? Seus olhos me perseguem na esquina de meus olhos, sempre inquisitivos, certeiros, sem nada a perder e, então... Tudo muda! Vejo você a me encarar com olhos suplicantes, doces... qual palavra eu nunca te disse e estava sempre em minhas ações? Qual palavra, meu Deus, você sonhou que saísse de meus lábios, mas eu nunca ousei pensá-la? Por ser tua mente meu templo e teus olhos o deus que me guiou para fora do labirinto, sem novelo, sem minotauro, seu Teseu. Estou aqui, quase serva, morta-viva, a esperar mais uma vez teu comando para invadir, dominar e destruir - o que, senão a mim mesmo? Você não me faz bem e te amo por isso, pelo verso mal compreendido de Clarice e os tantos versos declamados de Drummond - hino à realidade. Te amo e sempre te amarei porque foi a sua mão que negou a corda, que se recusou a caminhar lado a lado. Te amo porque me provou humana e egoísta, porque soube me ensinar a prestar atenção. Não se vá! Não me deixe só, pois tenho medo do escuro. Tenho medo dos fantasmas de minha voz - sendo você o que mais fala por meus lábios, o que mais pensa em minha mente e o que mais age em minhas mãos. Você, meu doce fantasma, que morreu há anos, e ainda te carrego colado no corpo, na tentativa de me ajudar a encontrar o tesouro. Mal sei eu que apodreço junto a você. Você morto e eu devorando os vermes que primeiro devoraram sua pele. Me alimento de ti? Serei o verme? Serei eu o fantasma?

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Outro fim para um outro começo

Os últimos dias me asfixiam. Duas mãos grandes e apodrecidas me seguram pelo pescoço, forçam meu rosto para aquilo que finjo esquecer. Viajo em desespero para qualquer canto, me escondo dentro de qualquer abraço, mas entre um gemido e outro, vejo se aproximar mãos, olhos e boca. Algumas frases se descolam de minha pele e mais uma vez me aprisiono. Sua voz me afaga gentil e suave e me entrego às suas mãos frias e suadas. Qualquer palavra é gatilho apontado sob o queixo, qualquer descuido e me vejo em seu quarto, mexendo em caixa de sapato (tesouro velado). Creio que meu cansaço vem de vasculhar incessantemente cada dobra do blusão, para deixar ir verso, beijo ou fio de cabelo, vem do cuidado em não perceber as palavras se soltando lentamente, pêlo em flor desabrochada. Palavras suas, no seu tom de voz, no qual sou ninada antes de dormir, ao acordar, durante o banho e enquanto passeio pela cidade. Se algum dia chegarmos a conversar, me conta de novo suas aventuras com seu pai -- você me contou só uma vez, mas me pareceram legais.
Todo esse desabafo, esses posts sem sentido, são sempre a água podre que tiro do peito para não morrer afogada. Eu gostaria que meu coração estivesse do lado de fora, ou que fosse um blue bird fugitivo, ou até mesmo, forte e vigoroso, mas ele é mole, se doa a quem lhe oferece qualquer migalha de atenção. Ele escorreu para o mais fundo das minhas minas, cujas pedras preciosas já foram todas roubadas. Teria, por acaso, pensado ele, que poderia preencher todo o espaço vazio? Mas lá no fundo, mina água, vinda das lágrimas choradas por dentro e das feridas pusorentas e nunca cicatrizadas. Lá, meu coração-geléia se encharcou dessa substância tóxica e dela se viciou em tristeza. Ele soube ocupar todos espaços, borrando tudo de lilás e gris. Meu mole coração me incentiva a continuar a caminhada, mas cotidianamente escorrem duas ou três lágrimas de D. e ele se vê molhado por amor, na sua forma mais pura. Meu coração sorri e, por alguns minutos, se considera feliz.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A Caverna

Entro pelo portão. Meus passos ecoam nas paredes vermelhas e se arrastam pelo chão sujo de terra que cai da jardineira. Tudo está em seu lugar, mas eu mudei. Meus olhos percebem cores e marcas que antes não me atentava, tudo em silêncio retumbante. Como caverna usada no inverno e abandonada na primavera, assim é aquela casa. O passado marcou cada um dos lugares na mesa, os talheres espalhados nas gavetas, as roupas roídas de traças. O passado marcou meus olhos e roeu meu coração. Ainda não consegui deixar nossas histórias para trás e ontem mesmo, antes de me deitar sob alguém, contei histórias nossas. Devo não comentar, fingir que nunca aconteceu, que estou inteira andando pelo mundo para ver se te esqueço, mas não, nunca. B. me vem sempre à mente, me acusando de amar você e não ele. B também sou eu. Mas eu queria te contar da casa abandonada de minha mãe, da casa que nunca foi lar e que você disse ser fria. Fria sou eu! A frieza da casa exala de mim, da minha casa interior que não nada oferece nem nada abriga. Eu queria mesmo era poder conversar com você. Te ver mesmo de longe. Restaurar o farol para que sua luz me guie novamente por entre as ondas. Eu quero o impossível (e agora que sei ser impossível, as palavras de Luisa não são mais profecias, mas as linhas finais de minha condenação). Quero te contar (mais uma vez, mas não a última) do meu medo do mundo, o qual experimento com as pontas dos dedos. Medo que M. me quis dissuadir, em vão, e que cresce quando ouço barulhos altos e rependinos, vejo luzes em flash e ando desconsertada pelos corredores da UnB (os olhos que me olham me julgam em qual medida?). Hoje estou bastante cansada, quero carinho que deixa brotar o amor, não o estéril enconstar de corpos que recebo medrosamente. Luisa sentencia "mas ela não sabia que era impossível e foi lá e fez". Agora sei ser impossível, não faço, está registrado nos anais da história (ai!) que eu sabia, sou acusada por conhecer. Por te conhecer. Por pesar a leveza do amor e sabê-la em gramas decorado. Por ter tocado seu corpo com a minha mente e ter-me deixado tocar pela sua linda e deliciosa mente em expansão. Os momentos que guardo contigo remetem àquela inteligência mágica... pena estar eu culpada e você livre, pelo menos um dos dois não virará mais o rosto nem dirá "imagino..." quando nos encontrarmos nessa estrada.

domingo, 3 de setembro de 2017

Fui tocada e agora durmo

Primeiro dia:
ao chegar, me deparo com você encostado na mesa, conversando com alguém. Voltei dali mesmo de onde eu estava. Comprei uma água, esperei uma amiga e entramos juntas na sala de conferência. Bebi água obstinadamente, fui ao banheiro inúmeras vezes, na esperança de te encontrar? Talvez para fugir do mesmo lugar onde você estava. Schweppes estava perfeito, como sempre. Palavras doces invadiram meu ser. Olhei para você algumas vezes e você me olhou outras. Ainda bem que tinha duas boas amigas para amparar meus passos, senão correria para você, me jogaria em seus pés e seria isso a minha ruína. Das vezes que cruzamos caminhos, eu olhava para o chão, para o celular ou para o lado. Não sei para onde você olhava. Sai mais cedo por causa da carona, mas prometi ficar até o final no dia seguinte. Alguma sensação diferente da que sinto sempre? O vazio foi maior, a doce mão do desprendimento tocou de leve meus dedos enquanto eu andava para não chorar, senti que nem mais a dor seria minha, tudo seria apagado, como foi com D. Apesar de o meu coração querer sair e dançar com o seu, não fiz gesto algum em sua direção. Soube que nunca tive  espaço, nem terei. O chiclete da paixão está perdendo seu doce e ficando cada vez mais duro, mas ainda o masco com força e tristeza, pois sei que o jogarei fora e restará apenas aquela dor aguda nos maxilares por alguns dias. Te amo para sempre nessa vida, talvez na próxima eu desvie quando te vir vindo. Talvez eu corra e não tenha medo de pular de cabeça. Talvez você vire o rosto e eu nunca consiga explicar o vazio da incompletude o resto da vida. Não vire o rosto, por favor.

Segundo dia:
entro no meio da sua apresentação. Você gagueja, retoma a compostura e termina sua leitura. Sua voz embala meus pensamentos e se torna meus pensamentos. Agora minha mente declama de um púlpito, em sua voz, os Estatutos do Homem, "nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura das palavras. O homem se sentará à mesa com seu olha limpo porque a verdade será servida antes da sobremesa". Presto muita atenção em cada palavra que você diz e as deixo ir embora sem passar por meu coração, mas inútil. Tudo fica, retumba e faz morada (em cada dobra do labirinto ficam gravadas sílabas ou palavras incompletas que ecoam eternamente, palavras suas que me moldam e adornam). Do sadismo presente em sua fala, me fica o tempo em que me delicio em te olhar, mirar sua boca, suas roupas, seu sorriso. Você ficou vermelho e sorriu triunfante ao saber do curso já ministrado, você anotou cada pergunta e assumiu que não sabia responder a do Pilati. Nos intervalos, eu parada ao lado da porta, você saindo e eu não tinha para onde correr. Te parabenizei e seu sorriso + olhar de ironia incontida me perguntaram "o quê?" e eu repeti o frio e indiferente "parabéns". Não te falei nada de Sacher-Masoch e a necessidade de redefinição de sadismo por você. Não me importa seu conhecimento. Nos milésimos de segundos de sorriso + olhar, achei que você deixaria o passivo da sua postura passiva-agressiva e me destroçaria, mas seu auto controle te afastou de mim. Você ganhou. Falei com você novamente, parabéns. O preço da sua vitória é o desabamento do meu labirinto. Deixo livres suas palavras e me esforço para ouvir outras coisas. Os olhos que me olham de volta no espelho são olhos cansados e não mais acusadores que roubei de você. Mais uma vez os dedos quentes do desprendimento roçam meu rosto e levam algumas boas lembranças que tinha de você. 

É apenas uma questão de tempo para que sua voz não declame mais nada dentro de mim, para que eu corra em sua direção, nem tente te acertar com murros e beijos e lágrimas. É certo, entretanto, que uma grande parte de mim ainda terá sua assinatura, o ouro usado para colar as partes e me deixar mais espessa de histórias e sonhos, que eu ainda sonharei contigo e acordarei triste e nostálgica, que, ao andar pela UnB, ainda procurarei seus olhos, mas tudo bem. Encontrei em você meu amor impossível, minha fonte de tristeza, meu conto de fadas ao avesso. O mais difícil será deixar a mania de criar histórias nossas, imaginar seu calor e suas roupas. Agora eu preciso andar, ver outras gentes, me entregar a mais alguém que não tenha suas digitais nem o cheiro do teu cabelo. Preciso limpar toda essa bagunça e fazer novas amizades para me ajudar a colorir cada esquina, gaveta, balão. Deixo à você o agradecimento da inteligência mágica que a amizade produz, como disse Chico Alvim, entre lágrimas.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

alcachovas

O encontro daqui alguns dias já me tira o sono. Irei até você, doce e cativa que estou. Nesse processo, imagino sua voz retumbando na sala de conferência, todos os olhos fixos em você. Como você reagirá? Com timidez, suponho, até ter confiança no que está a dizer. Afinal, são três anos caminhados até aquele momento. E como eu reagirei? Olharei com olhos amorosos ou indiferentes? Falarei com você durante o intervalo? Creio que abaixarei minha cabeça e receberei as palavras que falará como profecia e, enquanto todos baterem palmas, direi "amém". Não irei ao seu encontro. Talvez suba e pegue um café, volte e me sente, mas não olharei em seus olhos, não sorrirei de amor, porque esse frio me fez ver algo novo: se eu retirar o que imaginei de sobre você, você não existirá. E é isso que faço agora: te dispo das minhas fantasias e vejo seu frágil corpo em pêlo. Não cuspo mais rancor e ódio ao pronunciar seu nome, me vem só a tristeza. O frio assopra a fina poeira do meu sentimento, deixando-o mais racional, deixando-me mais atenciosa ao que antes não conseguia ver. A cada outra lufada, percebo momentos novos, retiro os filtros de ilusão, dolorosamente colocados por mim para justificar tal entrega sem motivo. Retiro cada um deles, é difícil te ver como você é e fico com a leve impressão de que aquilo que vejo não é você, mas outra criação minha. Chego mesmo a me questionar se te conheci, se não foi tudo uma fuga elaborada da realidade que me espanca rotineiramente. Se você é criação minha, então jamais saberei dizer de onde tirei o cheiro de tua pele, o tom de tua voz ou a textura de teus cabelos. Sinto somente sua mente tocando meu corpo e eu sem querer saber que horas são. Eu me despetalo para ver a essência do que te fiz, pois sei ser "através" o melhor caminho. Algumas pendências ainda me atribulam: como andar sem ter você no canto dos olhos, o que ouvir nos trajetos do ônibus, como me entregar para o próximo a tocar meu coração, como sorrir, comer, dormir, tomar banho, se em tudo tenho lembranças com você. Fica clara a necessidade de um brilho eterno de uma mente sem lembranças. Eu escolher te esquecer e assim ser feito, mas sempre fica aquele pedaço ínfimo dizendo em meus sonhos "meet me in Mountauk". Não sei o que serei, nem como me reerguerei, mas não posso mais sofrer por você, te amar incondicionalmente enquanto você se esquece de mim. Não é justo, nem são, nem feliz (muito menos feliz). 

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

espero o dia nascer

Hoje completo 6 meses no meu novo emprego. Ainda falta muito para conhecer desse lugar-cela-sala, mas já sei caminhar pelos corredores sem o susto do que vem ao meu encontro, seja uma criança correndo com tesoura na mão ou um carrinho de limpeza. Ainda não ouso correr e ando com uma mão à frente, na expectativa de amparar aquele que esbarrar em mim. Alguns costumes necessários neste lugar eu já trazia comigo, como o de olhar para baixo e o de sorrir com sinceridade, por mais que não seja o que sinto. Todos me julgam competente e responsável, mas eu sei o que realmente sou: uma besta adormecida, cujos dentes mordem forte e as garras tiram sangue fácil. Apesar disso, quase que diariamente, me escondo entre as pelúcias do maternal 1 e aceito o carinho vindo das mãos pequenas. Outros costumes aprendi com o tempo, como o hábito de dizer não imediatamente após o pedido e esperar algum argumento que me convença do contrário. Ainda guardo alguns desejos antigos. Eu iria escrever "aguardo pelos seus olhos a me buscar no infinito do estacionamento", mas minha vida não pode girar em torno da sua, ainda mais quando a sua está tão distante da minha. Penso em como aprender a odiar para não morrer de amor, não, não é isso que gostaria de dizer. Gostaria de te contar sobre Davi e Eduardo, dois pequenos amendoins que me beijam e abraçam sem medo. Eles me pedem para não ir embora e eu fico, cativa e imóvel. 
Ainda sobre meu emprego, tenho alguns contratempos irremediáveis que me tiram o sono. Alunos que mandam nos professores, coordenadores que culpam professores, pais que culpam coordenadores e assim vejo se materializar o problema da Educação que meu pai me fala desde sempre. Penso comigo "tudo bem", mas, no fundo, isso tudo me incomoda e, quando tento agir, esbarro em alguém maior que eu. Normalmente, esse alguém anda com uma tesoura na mão. 
Da minha sala eu conheço os objetos e a ordem deles. A senha do computador me fala do tempo parado e da falta de expectativas. A cadeira pende para a direita, o que me faz tomar cuidado quando me sento ou levanto. Além disso, guardo as cartinhas que recebo numa caixinha de E.V.A. e os pinceis num estojo azul escuro. No caderno que recebi, escrevo pouca coisa, o que é uma pena, pois poderia ser melhor utilizado por alguém que saiba o que faz, eu não sei. Do caos da minha mente, estruturo a realidade para não precisar de um pião de plástico para diferenciar realidade e sonho.
Os meus pilares profissionais são Kênia e Adriana. Kênia é o que quero me tornar. Ela é doce, competente, tem uma vida fora da escola e sabe falar dos sentimentos mais profundos e sem nomes. Adriana é minha mãe. Forte, dura, líder inalcançável à frente de um exército. Quando ela e minha mãe se encontraram foi duas generais se medindo e decidindo entre guerra ou paz com o olhar. E eu, espectadora daquele encontro, soube que minha mãe envelhecera, talvez não ganhasse pela força, mas pela sabedoria e calma em seus movimentos bélicos. Vi Adriana se agigantar e engolir minha mãe, como a noite que abre sua boca negra e engole o dia, vi minha mãe recuar e segurar minha mão. Nos olhos de Adriana, por fim, quando encontraram com os meus, vi um respeito pela minha genealogia, e não por mim. Agradeço à minha mãe pelo sacrifício mudo.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Hoje

Estou de pé. À minha frente, o nada. Gosto mais de mim quando tenho meus amigos ao redor. Poder olhá-los nos olhos, sem medo de sentir, sem o receio. O abandono não me assusta mais, tenho pena de mim que se sente bem ao estar sozinha. Quero um amor na mesma medida em que sonho com o mar e o vento nos cabelo. Apontar para onde e remar? Aponto para dentro de mim mesma e pulo. Sinto falta do Diu, mas já não morrerei. Pessoas mais importante ainda não tiveram espaço em minhas linhas: Lu, Marcos, Anna, meu doce irmão de quem me lembro com lágrimas de saudade apertada. Pessoas que ficam ao meu lado, não julgam e sempre sabem abraçar sem fim. Sou triste e orgulhosa (nova definição de meu nome?) Agnes, no dicionário de Macondo: aquela que sabe seu lugar, no triste e orgulhoso mundo da solidão; aquela cujo estandarte são as mãos estendidas e os olhos marejados. B. me disse que sou um excelente último amor, a doce ironia de eu existir num mundo que escolheu o desapego ao amor. Assim, me torno única e última, a nunca amada e a última opção. Mas faço de mim minha melhor versão e me amo. É preciso entender Melquíades, e não odiá-lo. Também quero escrever sobre Álvaro e Kalil, doces tentativas de conexão (Diu me volta mais forte quando penso no fracasso).
Meu irmão se fez vivo em minha vida, quando ainda nem existia no mundo: uma melancia na barriga escura de minha mãe. Da infância, apenas alguns momentos compõem meu mosaico. Um Mickey, Max Steels, biloca de diversos tamanhos, dois grandes olhos cúmplices. Na minha adolescência expulsei a todos da minha vida, sinto falta da companhia dele nas minhas cóleras, os mesmo olhos assustados e a certeza de que nunca mais teríamos um ao outro. Algumas músicas foram um caminho de volta, sem abraços ou palavras doces (o incentivo básico para continuar na caminhada). Um grande pedaço de vida foi desperdiçado enquanto competíamos na santidade, no bem querer dos olhos da mãe. Ele se libertou da jaula e me deixou la, nunca me senti tão só, sem a única pessoa que ainda traz amor quando me olha. Eu sozinha na jaula com os leões, eu, doce cordeiro de Deus sendo massacrada por entretenimento doentio. Ele em Recife e eu no mais fundo de mim. Ele voltou e eu na correria do pré-vestibular. Íamos e voltávamos juntos da escola, rindo ou com fome. Nunca mais cúmplices, mas presentes um no universo do outro. Enquanto ouço Adriana Calcanhoto, me lembro "eu presto muita atenção no que meu irmão ouve, e como uma segunda pele, uma capsula protetora". Moramos juntos, ele dividido em três casas, eu sem cobrar nada. Apenas desfruto da presença dele, de quando rimos até a barriga doer, ou fazemos coisas bobas pelo prazer da gargalhada do outro.
Ter meu irmão é saber que não preciso ser sozinha, ele está lá ao meu lado, para me abraçar ou segurar minha mão. 
Agnes "aquela que soube se cercar de pessoas que a amam".