quarta-feira, 13 de maio de 2015

Visitas surpresas não me alegram

Foi assim: eu corria dele, na ilusão de nunca nos encontrarmos. Quando virei a esquina da alma, estava ele lá. Respirei fundo e decidi ficar. Fincar as raízes e esperar a ventania. Estou à espera do fim desse meu mundo. Assim como da boca de Melquíades saía profecias que acorrentam e norteiam, assim será esse encontro. Há muito sonhei contigo, mas eu era outra pessoa. Sabe por que as pessoas esperam a biblioteca abrir e não entram imediatamente depois de aberta? Porque elas se despedem de tudo que desfrutaram até aquele momento - do sol que nasce, da brisa suave, do cheiro de café quente vindo de não sei onde... Porque elas não sabem se voltarão à tempo de tomar o chá das cinco. Eu estive lá, eu me despedi desconsoladamente do que amava. Minha vó também se despediu e não voltou.
Minha vó morreu de câncer, mas não sem antes abençoar cada neto, sussurrar em cada ouvido um segredo sobre a vida. "Não conte à ninguém, mas você......" e assim cada neto ganhou uma certeza e uma diretriz. Infelizmente, eu estava tão atordoada com a possibilidade de perder a âncora de minha vida que não entendi o que ela me dizia. Concordei com a cabeça e deixei seu leito em paz. O que será que me disse seu último suspiro? Por não saber, todos os conselhos que recebo são os dela, cada palavra de amor e exortação, bem como cada olhar acolhedor. Minha vó era Cora Coralina, Cecília Meireles e Adélia Prado. Ela ecoa em cada folha que cai, no pôr-do-sol que me revigora, no frescor do vento.
Ela é minha força e meu escudo.