segunda-feira, 8 de abril de 2019

Mais um dia, menos um dia

A cicatriz ainda recente se mostra no medo de ser tocada e aberta. Como viciado evitando olhar as esquinas já conhecidas, fecho os olhos, prendo a respiração e finjo estar tudo bem. Consegui algumas armas para te ver melhor, mais real, menos projeção, mas não as quero. Vi seu insta dias atrás e o sentimento foi diferente, como fotografia antiga cujas linhas invisíveis não tocam o presente. Preciso ser verdadeira comigo mesma: você foi um sonho do qual não quero acordar, porque a realidade doi muito. Sua presença se faz mais forte na ausência anunciada e não quero mais isso. Logo eu! Eu que recito verdades menores para não deixar iludidos aqueles que amo, eu que seguro as mãos daqueles que se jogam em abismos e os amo infinitamente. Logo eu que construi um castelo de cartas, me crucifiquei lá dentro e me abandonei, na tola esperança de ser vista. Aquele amor sem forma, a dor sem tamanho e a angústia latente estão se resfriando e virando um amontoado de gratidão. Fiz planos com você para o próximo Carnaval, apertanto ainda mais os pregos em meus pés. Será que vem da ilusão, mais uma vez, essa possibilidade de libertação? Não fui eu que matei o Homem que desamarrou minhas mãos e me empurrou para fora das sombras, eu perambulei cego e confuso por tantos anos. Não foi você que me tirou da segurança do meu lar, você me achou perdida e me deu as ferramentas para lutar, me ensinou a olhar o Sol e não temer. Como posso me esquecer de você, se o que eu sou foi você que fez? É difícil unir o antes e depois, as crenças e os fatos, e não se perder mais ainda. Não quero mais a caverna com sua fogueira, no conforto da casa de minha mãe, mas não também não preciso ser essa ideia divina. Quando te vi não precisei mais correr, nem me esconder, mas agora estou só de novo e o que mais pesa é a ausência. Não somente a sua, mas a de meu pai, de meu irmão e de outras figuras masculinas que crescem e se aperfeiçoam na falta, nos meus sonhos infantis. Às vezes, ainda penso que procuro Lucas em todos vocês, porque me doi fazer coisas que faço por rotina e que não precisaria fazer se Lucas tivesse ficado.

Um erro a mais

Me sinto febril.
A dor por trás dos olhos me obriga a fechá-los por tempo indeterminado, enquanto escuto um cara perguntar incessantemente "city of stars, are you shining just for me?". Sorrio. Sou só. A mão que segurava a minha se afasta e não consigo alcançá-la. Mais um adeus e menos de mim para remendar no fim do dia. Meu peso de elefante embreagado cai sobre meu peito e mal respiro. O que quero? A velha que me vigia de canto de olho sabe a resposta, mas não me dirá, benevolente. Reparo no meu jardim secreto e vejo quantos sonhos morrem, uns por falta outros por excesso de água - sempre os mesmos versos baratos a guiar meus passos na escuridão da casa. O vazio do outro. O lugar frio na cama que não mais me aconchega. Eu, fria, jurando por tudo que há de mais sagrado, que não sofro, mas o travesseiro sabe das lágrimas e dos gritos mal contidos.
Elevo meus olhos para os montes, como me torno meu socorro? A Natureza tudo sabe e tudo compartilha, assim como meu pai. Meu pai é a minha Natureza, nele moro e dele depende meu alimento. Sorrio. O que eu quero? Um abraço sincero. Quero que a dor passe, que a mão não se afaste tanto assim da minha, que no rosa da madrugada eu encontre o peito amado e nele me aninhe. O mais importante: quero que ele queira ficar, porque sabe que sou suficiente e que o amo.
No meu delírio febril, vejo a velha se aproximar, ela ri. Seu sorriso é diferente do meu - o dela é verdadeiro. Escuto seus sussurros, mas não os entendo. Seu peso sobre o colchão me traz de volta à realidade, mas qual realidade? Ela toca minhas costas, lá dentro dos meus pulmoẽs. Respiro aliviada. Ela se vai. A dor fica, mas já não estou mais desesperada.