segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Sobre o começo do Amor

Tudo bem que já não sou aquela do início do blog. Tudo bem ter colocado mil lentes para te enxergar como eu queria, apesar da Verdade. Mas, ainda cega pela claridade, tateio algumas linhas que me são familiares sobre o que senti por você. Essa é a primeira vez que não sinto o que achei ser eterno. Ainda sonho acordada com você e toda noite peço aos deuses dos universos paralelos para que cada sonho se realize e em algum espaço-tempo eu sou feliz ao seu lado. Mesmo assim, preciso admitir que neste universo seguimos trilhas diferentes e, hoje, eu posso dizer que sei qual foi a parte da sua estrada no meu caminho e que eu queria mais. Foram seus olhos atentos, me decifrando fácil os vícios e me decorando as palavras. Foi a atenção nunca antes recebida e até então julgada não merecedora. Foi a vida ficando leve quando estava com você ou o tempo passando devagar. Era meu coração batendo acelerado, me impedindo de entender o que você dizia. Foram meus passos correndo atrás dos seus pelo espaço da UnB, ainda tão temido por mim. Eram o silêncio e uma estranha sensação de paz enquanto te devorava com o olhar. Foi o desejo de ser recebida sempre no seu abraço-casa. Era o fim da busca pela Verdade, porque eu a encontrara e ela tinha dois olhos sérios, cabelos castanhos e um ar tímido e solitário. Foi aquela vontade apressada de comer tudo que havia sobre a mesa, mas, na ânsia, não percebi que joguei no chão a comida, quebrei a mesa e morri de fome. Foi a sua voz cantando Marisa Monte e a minha voz sem fala. Por fim, te vi indo embora e eu fudendo o mundo em troca de mais alguns segundos de atenção. Inútil. Mordaz. Desesperado.
De todos os amores que eu fiz, o seu foi o único especial. Eu, menina, deslumbrada e medrosa, vi em você uma casa, onde eu podia me esconder dos monstros que você, sussurrando, revelou que moravam dentro de mim. No início dessa caminhada, você passou por mim feito raio e eu não sou a mesma desde então. Te chamei de Gato-do-Mato, Teseu, Diadorim, Dilúvio, Gilles, Dustfinger, Artur Dent... Mas, a Verdade é que não houve posse, apenas a chama de um sentimento bom que queimou até consumir tudo. Você me ensinou a usar, ao invés de deixar mofar guardado. Me desculpe se na folha branca do seu silêncio eu escrevi o que quis e me sabotei ao me fazer acreditar que tinha sido você que escrevera. Me desculpe por cada momento ruim. Saiba que eu me lembro de tudo. E obrigada!
Você me ensinou a ser quem sou, apesar ter sido um sonho.

It's a new dawn. It's a new day. Maybe...

O fantasma na minha voz é Diu. A sombra nos meus olhos também. A confundo com olheiras, sangue coagulado e lágrimas secas, veredas. Não consigo voltar a ser o que eu julgava ser antes dele, não quero. Eu carrego o tributo vivo em minhas entranhas, sacrifício pronto a ser imolado, caso Ele assim o peça. Apesar da profundidade, sigo o caminho. Tento não pensar tanto, busco os sentimentos reprimidos há tempos, por eles, sim, reerguerei meu exército. É difícil determinar o quanto manterei essa postura, mas dessa vez sinto que o fantasma se afasta. Ou seria eu que me afasto dele? Ou estarei eu, aos poucos, me transformando em fantasma como ele? Medo antigo esse o de ser o fantasma que arrasta as correntes pelo corredor, abre as gavetas da cozinha, puxa pelo pé e levanta a coberta. Mais antigo ainda é o medo de me tornar fantasma ainda em vida.
Penso no que fui em vidas passadas e as relaciono com os medos que trago hoje (se as vidas atrás são parte de nós e como será?). Penso que fui bruxa devorada viva por cães e que fui monge copista queimado entre papiros e papiros. Depois, não sei. Quero saber.
Penso também no ninho de Amor entre os braços de meu pai e minha mãe. Sempre presentes. Sempre com olhos amorosos e pacientes. Eu erro constantemente, mas posso encostar minha cabeça em seus ombros largos e fortes. Dentro desse ninho, tenho paz, posso retirar as máscaras e sonhar sem amarras. Foi dolorosa sua construção, cada graveto, lápis, saliva e lodo exigiram muito dos nossos frágeis bicos de sabiá da cidade. O tempo da delicadeza e do cuidado é agora. É recíproco. É nosso.
Penso no contrapeso da balança de Anúbis. Tudo o que retiro de mim para eu caber no equilíbrio de outra pessoa. As tralhas que carrego para moldá-las e preencher os vazios. Sou mais pesada que uma pena e não há divindade felina que me salve ou me pondere. Se tento parar, as engrenagens da vida me atropelam e sou lançada de volta ao prumo. A medida de mim mesma é a soma das minhas perdas (meu pai ficaria feliz com essa última frase-título), pena que não ouvi os conselhos de Clarice.
Penso nas linhas das minhas mãos e no trajeto delas sobre outros corpos - Oliver se lembrando de Elliot. O suor, os tremores, os caminhos desbravados entre jeans, camisetas e cobertas já estão guardados no jeito acostumado, na destreza e no desinteresse, como a estrada na qual se anda mecanicamente sem notar suas nuances. Minhas mãos que anseiam ser seguradas por outras, que apertam firme a alça da bolsa ou a ponta da blusa, porque quem cai sempre leva o susto do abismo nas mãos espalmadas contra o chão para proteger o rosto.