quarta-feira, 24 de junho de 2015

Mas não há curva na estrada da vida?

Sentei no tatame. Mais desolada impossível. O suor escorria em minhas costas e me arrepiava. "Estou perdida". O Mestre que me olhava de cima sorriu. Tinha ali a chance de me ensinar algo. Sentou-se ao meu lado e suspirou. "A gente volta pro começo quando nos perdemos". Mas não foi exatamente o oposto que sempre me ensinaram?! Se você se perder, fica parada que eu te encontro, me dizia minha mãe antes de soltar da minha mão. O problema é que me perdi de mim mesma e, se nós duas ficarmos paradas, nunca nos reencontraremos. O jeito é voltar a andar, para o começo.
Não queria largar tudo aquilo que trazia comigo: um amor cotidiano, um livro meio lido, amizades vazias. Era o que eu tinha, era parte de quem eu era. Mas se eu iria me transformar quando me encontrasse então nada disso fazia mais sentido. Deixei que as correntezas do tempo levassem cada um de tudo que trazia comigo.
E se por acaso não encontrar a placa de "retorno"? Sigo em frente na estrada esperando pela curva que nunca chega? "Pra trás é que não se anda".
Caminho. Observo a paisagem. Sorrio e digo adeus. É passado.
Vejo uma menina suja e descabelada. Sou eu. Há tanto tempo assim que te perdi?
Lembro de um dia que me olhei por tanto tempo no espelho do banheiro que me vi envelhecendo. Aquela menina que enxergo agora, que quero tocar, mas receio, ela não sorri.
Não fizemos as pazes. O abismo aumenta a cada sopro, a cada tentativa de gesto. Eu sou a mãe que voltou para buscá-la. Sou a responsável. Eu sou ela que espera até agora por um gesto, que eu covarde não faço.
Me questiono interminavelmente: "É agora? É agora? É agora?".
Tatuo pelo lado de dentro do coração o barulho do mar.
Olho nos olhos do meu elefante em que amo disfarçar-me. E quem sou eu: a costureira tenaz que não desiste dos trapos e das espumas ou serei o pobre elefante capenga, inconsciente de sua força que todo fim de dia desaba balofamente sobre o chão batido?
Espero não ter que recomeçar, não ter que aprender a odiar, não ter que guardar o choro mais uma vez.
Porque minha vontade mesmo, menina, era de segurar sua mão, assim como fizeram comigo. Era de te levar para ver o chafariz na UnB, pela beleza gratuita. Era... era... Já que não posso consertar o abandono e os traumas, era de te dar o que sou quando me aproximo de ti e quase encosto as pontas dos meus dedos em seus dedos. 

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Estou bem, e você?

"Está tudo bem", respondo já automaticamente. Mas, hoje, voltando para casa de um dia bom, senti vontade de chorar. Então, não está tudo bem, não é mesmo? Não, não está.
Pessoas que amo voaram e olho, às vezes, pela janela na singela esperança de ver uma que seja voltar. Sei que naquela época não era uma boa companhia e que obriguei D. a me beijar, mas era só isso que eu tinha comigo e que podia oferecer: beijos cálidos. Sei também que a Saori de B. jaze fria sobre um mármore frio. Nem D. nem B. regressarão, isso sei.
Hoje não sou a sombra do que já fui, fechei atrás de mim a porta que me faz cósmica. Hoje tenho a mim mesma e só.
C. me diz que não irá embora, já que nunca realmente chegou. 
M. está sempre ao meu lado. Ele é eterno.
Se sinto falta de meus amigos? Lógico! Cada sorriso, cada flor que guardo em um livro, cada aventura, é para, um dia, ao reencontrá-los, ter histórias boas, fazê-los sorrir. Marco Polo coleciona o mesmo que eu.
Mas, ao mesmo tempo, não estou mais disposta a encontrar B. pelos motivos errados. O caminho é de mão-dupla, por que ele não pousa sempre, ao invés de me gritar das alturas que eu desapareci? (É que Saori aprendeu o mínimo com Alone).
Não guardo mágoas por D. desaparecer. Quem quer saber de velhas pedras sem musgo quando o mundo vira o quintal de sua casa? Dele sinto falta das conversas, das madrugadas que demoravam a trazer o dia. Sinto falta da falta de perfume, do cabelo penteado, da barba, de Hannibal num sofá apertado. Quem diria que pipoca de sal com leite condensado fica boa?!
C. me parece uma estrela cadente. Se não me engano, consegui lhe fazer um pedido. Ou será que sua luz me deixou para sempre cega e o que julgo ser ele não é apenas o ensaio de minha cegueira? Já não seria a primeira vez... Não, não quero ter filhos. Não tenho nada a lhes ensinar e a responsabilidade é muito grande. Melhor que filho é peixinho dourado!
Ah, M... M é eterno!
Se faço assim essa lista é simplesmente porque conto nos dedos as graças de Deus. Mas também porque é assim que conto os anos de minha vida: pelos amores perdidos. E não se engane, essa é uma lista de perdas, dolorosas perdas que cavam fundo em mim e me deixam oca. (Já não sei dizer o que minha vó diria. Talvez ela maneasse a cabeça e num gesto descontente, me estendesse os braços consoladores). Porque perdi cada um deles por não ter lido o manual da vida, porque cada um queria algo de mim, algo que perdi há anos em tampinhas de coca-cola e petecas, porque exigi deles a vida que nem eu mesma tinha.
Apesar de tudo isso, no meu mais profundo sentimento de abandono, M. me estendeu a mão e não me deixou mais cair. Se hoje tropeço é porque sei que ele me amparará, que posso observar as alturas sem medo, porque mesmo que B. e D. e C. não tenham sabido ficar, M. soube.
Não sem pesar digo que estou bem. Estou bem não graças ao descaso dos que se foram. Podem ir. Vão no tempo certo. De cada um trago um olhar, uma frase, um sonho. E é com M. que desfruto e regozijo minha tranquilidade de fruta mordida, de sussurro no ouvido, de cinta-liga.
Se minhas crises são medíocres, só eu sei. Se conversamos a cada dois meses, ainda moro no mesmo lugar e meu número não mudou.
Mas, querido C., ainda te escreverei.
Agora preciso ir, que M. vem me chamar dos Campos Elísios!