domingo, 20 de outubro de 2013

Só isso, só

Minha vó costumava me dizer tantas coisas quando menina, que, quando ela se cansou de tudo e se foi, me senti oca. Não sei como minha mãe e tios se sentiram, mas eu era oca desde aquele dia. Meu amigo diluvia cotidianamente, pois sua vó não lhe contava segredos do mundo - esses que, às vezes, a Morte nos sussurra instantes antes de a vela ser assoprada. 
Ela me contava como os lábios se apertam para o segredo não escapar, e os olhos se arregalam e as mãos tremem frente ao espelho. O que terá do outro lado, minha filha? Ou, quantos de nós conseguem aparecer do outro lado ao mesmo tempo? Brincamos, então,  de fechar os olhos e sonhar os contornos daquele abismo medal, daquela cicatriz frágil, frágil - a qualquer hora, ele quebra, sabe, temos que vigiar de perto, filha. Vigiei, tanto vigiei, que o sei de cor e dó. 
Se não era esoterismo, o beirava. Talvez, fosse apenas a vontade de falar, palavras soltas, por mim colhidas, guardadas e decoradas. Me dizia: se sentir medo clama à Deus, nosso Senhor, que te proteje. E se não funcionar, lhe perguntava aflita e tímida. Então, abraça o que de doce há e torça para não ser o Mal Maior, a Loucura.
Minha vó me diz o que quero, minha vó sou eu, e eu ela. Somos o que quisermos, o que vimos naquele espelho trincado foi a Revelação Mortal - ou Divina?

sábado, 16 de março de 2013

Florbela Espanca


Se tu viesses ver-me

 
Florbela Espanca

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

Beijoss

Quero escrever tristezas. Exorcizá-las por completo de mim. Quero voltar a ser inteira em você, amor. Por isso, te conto mágoas e feridas podres, sempre pedindo perdão pelas flores decompostas e pela casa bagunçada. No chão roupas-jogadas, devemos ter cautela, afinal, o fio da meia-calça pode puxar e já não distingo mais o que é novo e o que é memória... E o que volta não é apenas o que nunca foi? Alguns dias tenho nuvens cinzas com trovoadas que me assustam e me fazem crescer, outros, sinto seu cheiro no balão verde que enfeita meu quarto, e me alegro. 
Quando te vejo dormir em meu colo, sua respiração e seu peso, desejo constantemente morrer naquele momento único de plena felicidade, então você acorda e, me olhando, sorri - meu Deus! ainda bem que não morri há alguns segundos, porque a felicidade é agora..- penso sempre pasma. E se me entrego assim não é porque você me segura a mão firme, ou porque sua risada faz eu me sentir uma pessoa melhor, é pelo simples momento da sua vida que você escolheu compartilhar comigo. Eu sei que posso falar de livros com você, de músicas estranhas e de tradutores que ninguém conhece e você me ouve, o que passa pela sua mente nessas horas? Quero tanto te ver... quero passar a hora dos mágicos cansaços ao lado, para sempre... quero esquecer as noites de medo infinito e de desesperança.
A primeira tristeza é a do caminho solitário que trilhei até aqui. Costumava olhar ao meu redor sem ver pessoa que estivesse ao meu lado. Não digo que era ruim, era triste. Minha solidão é daquelas que veste colorido e que ouve Caetano, mas sempre em silêncio. E seu olhar, bem é tão distante quanto a linha do horizonte do céu e do mar. É triste. A mão vazia acompanhando o corpo. Os olhos vazados olhando para dentro.
Percebo agora com certo espanto que as outras tristezas se acomodam perfeitamente na primeira. Quando surgir mais alguma, aviso sem demora!



Ontem...

Hoje, ao acordar, me senti uma pluma. Sonhei com o quê?, me perguntei aflita. Com o quê não, com quem... Foi com aquele menino-que-já-amou-um-dia, aquele que  Bruno me apresentou na Pindurama... Foi também com o show do Capital e com minhas voltas e voltas e voltas, tudo girava, sabe? e quando me abracei em você foi para não cair no enorme abismo de pessoa-enganada que se abrira ante mim. Se tivesse me perguntado, mas você nem quis saber, e se tivesse se importado um pouco com a angústia que meus olhos não tentaram esconder de você, teria visto que era só abraço o que queria, que se você me desse um beijo bem no meio da cabeça talvez eu tivesse esquecido tudo aquilo que me sugava lentamente para o escuro. O mar continua bonito quando chega na praia, sabia? E eu? Eu nunca mais vi o mar, nem senti as leves bicadas das estrelas multiplicadas cá embaixo... Porque você não me viu... Por quê? 
Você menino-Machado que zoa Clarice, não sabe que sou eu a Sayori, que prefiro parar em frente a vitrines de loja de ferragens a me lembrar que nada sou? Não sabe, por acaso, que senti sua dor ao me falar tudo aquilo lá no ICC? Me pergunto o quanto seria melhor se você tivesse me visto, se, por trás, de todas aquelas endiabruras e risadas insanas você tivesse me sentido. Eu sentia tanto medo de ser engolida inteira que não parei de falar e de rir... e você me olhava meio aterrorizado, meio com medo, sei lá! Mas sei que você me deve um sorvete e que seu abraço nunca foi tão doce e que já ter amado é bom, mesmo sozinho agora. É uma aprendizagem que temos a obrigação de querer reviver, a qualquer preço. Sabe, menino, eu precisei de você como nunca precisei de mais ninguém, nem mesmo o Bruno chegou tão perto de mim assim... E então, você sumiu e eu fiquei sozinha, novamente. Só te peço uma coisa, e sei que não fará, mas insisto: deixe de ver as pessoas pela sua dor, todos temos dores e somos nossas próprias curas. 
Seus olhos ficam comigo quando leio versos drummondianos, e quando tudo vai mal, o que já é quase rotina, me lembro do calor das suas costas e de como me senti protegida dentro do seu abraço. Não me importa sua sina, me importa você me conduzindo ao outro lado do espelho por pura diversão e curiosidade.
Menino-dilúvio, obrigada!