terça-feira, 16 de julho de 2019

Rio Brasília

No primeiro dia, achei que não sobreviveria. Do segundo em diante, percebo com certa dor que você escolheu ir embora. Com certa dor não,  com muita dor. Penso em cortar os cabelos, fazer as unhas, me depilar e sair à noite, em meio ao eclipse que reparte a lua cheia em escuridão. E, apesar de acompanhar cada segundo do eclipse da varanda, não encontro ânimo para sair. Estou mais linda do que sempre, mas a tristeza crava fundo suas garras e não me movo. O livro do bombeiro leio cada vez mais rápido, para que cesse a obrigação do áudio ao anoitecer. Hoje, entretanto, enquanto lia, me comoveram algumas passagens e tive que reter as lágrimas. Duas ou três conseguiram escapar, mas nem pude desfrutá-las como se deve por conta dos cílios, que não podem ver água por 24 horas. Enxuguei o rosto o mais rápido que consegui e corri ao espelho para ver se estava tudo bem. Vi um rosto demasiado triste, sem cor. Tive pena de mim, como cheguei a momento tão deplorável? Não soube responder ao certo. Tem à ver com sua viagem e com o que me tornei para caber nos seus sonhos. Ainda lembro da raiva mal contida entre dentes enquanto você me dizia "me disseram que ou é do seu jeito ou não é. Você é muito cabeça dura." Sofro. Sinto pena de você, da raiva que gotejou, da sua falta de habilidade de conversar direito. Sinto pena da gente.
Pensei em chamar alguém para sair, aproveitar que minha mãe ia dormir na casa da 2. Pensei em tantas pessoas, nas que aceitariam de pronto, nas que dariam qualquer desculpa para não vir, nas que brincariam com os meus sentimentos e nas que não me atenderiam. Jamais pensei que você estivesse no penúltimo grupo, você que lê as mensagens e as ignora, porque está ferido o suficiente para nunca mais se entregar, nem o mínimo possível capaz de fazer esse relacionamento dar certo, porque me disse "2 semanas é muito tempo para VOCÊ ficar sozinha", quando era você que planejou ir para o Rio sozinho, porque você confunde se fazer de difícil com descaso e falta de consideração. Prometi não me repetir mais no que preciso que você mude para que a gente tenha alguma chance. A cada dia fica mais claro que não temos chance alguma. Você me quer crente, louvando o seu Deus, submissa, mãe dos seus filhos, medíocre, normal, como todas as outras. Eu te quero livre, pensando por si só, assumindo as responsabilidades da vida, homem, dono (senão do próprio nariz, pelo menos) da própria casa, viajando, conversando em pubs à meia luz. Vê? Não sonhamos as mesmas coisas, queremos o impossível um do outro, nos forçamos a acreditar que o que o outro dá basta, mas não basta! Não é só porque somos bons na cama que a vida se ajustará. Miguel é o mais próximo de filho que tive, eu o amo. Agradeço tudo o que vivemos. Sei o que quero e o que não quero nos meus próximos relacionamentos. Sei que vai levar um tempo pra fechar o que feriu por dentro, mas quando sarar, me abrirei novamente para o amor, para a vida compartilhada. Por enquanto me vejo de mão estendida ainda sentindo o calor da sua mão que agora de afasta cada vez mais. Tento entender, tento guardar esse momento, mas sei que ele se extingue, sei que depois do calor o frio será maior e a dor quase insuportável. Espero que eu sobreviva, que eu saiba me enrolar inteira, contar as bênçãos e reconfigurar meu mosaico interior. Espero também que você encontre o que procura, firme e forte e que Miguel tenha o pai que ele precisa, sem atalhos, sem facilidades, sem negligenciar a responsabilidade da criação. 
Respiro fundo. Na próxima curva do caminho ei de encontrar o meu oásis.