terça-feira, 25 de novembro de 2014

Meu segredo é saber a verdade

O que fazer com isso que tenho nas mãos? Recém-nascido que quase não mexe e, mesmo assim, causa-me tanto incômodo! Não queria tê-lo tido: pequeno e feio, com olhos grandes e negros. "Não olhe demais", repete a velha que me assombra. "Olha, que morde forte e não solta mais, o pestinha..."
Fecha os olhos, mordo o lábio: que verdade cruel essa do sofrimento vão! Sem tempo a perder, fecho os olhos ainda indecisa do acolhimento ou repulsa. A velha gralha dentro de mim desde antes e só agora a escuto dizer:
-- ... Ora, ora... não era essa mesma menina que garantia a todos a verdade? Olhe em volta, menina, seu público se foi porque ninguém aguenta a verdadeira leveza que você lhes subjugava... Olhe para ele, que dorme no calor de tuas mãos, ele é a tua verdade! Um pedaço de carne sem nome, quase aborto de sonho desconfigurado. Ele é você.

Maneio a cabeça, seria mesmo? Ele, mastigado pelos dentes da vida, roído por gordos mendigos hipócritas, deitado no mármore fumegante do amor, deixado para trás como símbolo do sacrifício aos deuses pagãos...
--Pagãos! Você jamais entenderia a beleza do paganismo... cada qual a amar seu único deus, a viver de acordo com seus próprios mandamentos! Estúpida criança!!

Ele, que de mão em mão chegou até mim, quanto tempo levou para vir foi o que precisei para recebê-lo. Mas não o quero mais, posso devolver? 
--Joga no chão e pisa! Já fizeste antes, quando menor... você quebrava tudo e dizia que não era hora pr'aquelas coisas. Faça de novo! Ele sofrerá menos que o vaso de flor que cai (de novo?!)

Ri... 

Ela bem que tinha razão: verdades insustentáveis são sempre boas de compartilhar. Mas estou só.
A coisa se mexeu, apertando suave e decididamente meu dedo, reclamando ali seu lugar. Tudo bem, a coisa sou eu, não falar a mantém viva e ligada a mim. Mas como pensar sem falar? "A construção do pensamente está diretamente ligada à língua. Quem fala chinês como primeira língua pensa diferente de quem fala yoruba, por exemplo".

Falo para mim, rio de mim. Mas não foi exatamente assim que minha voz ficou gasta e rouca, como uma velha que gralha constantemente aqui dentro?