segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A Caverna

Entro pelo portão. Meus passos ecoam nas paredes vermelhas e se arrastam pelo chão sujo de terra que cai da jardineira. Tudo está em seu lugar, mas eu mudei. Meus olhos percebem cores e marcas que antes não me atentava, tudo em silêncio retumbante. Como caverna usada no inverno e abandonada na primavera, assim é aquela casa. O passado marcou cada um dos lugares na mesa, os talheres espalhados nas gavetas, as roupas roídas de traças. O passado marcou meus olhos e roeu meu coração. Ainda não consegui deixar nossas histórias para trás e ontem mesmo, antes de me deitar sob alguém, contei histórias nossas. Devo não comentar, fingir que nunca aconteceu, que estou inteira andando pelo mundo para ver se te esqueço, mas não, nunca. B. me vem sempre à mente, me acusando de amar você e não ele. B também sou eu. Mas eu queria te contar da casa abandonada de minha mãe, da casa que nunca foi lar e que você disse ser fria. Fria sou eu! A frieza da casa exala de mim, da minha casa interior que não nada oferece nem nada abriga. Eu queria mesmo era poder conversar com você. Te ver mesmo de longe. Restaurar o farol para que sua luz me guie novamente por entre as ondas. Eu quero o impossível (e agora que sei ser impossível, as palavras de Luisa não são mais profecias, mas as linhas finais de minha condenação). Quero te contar (mais uma vez, mas não a última) do meu medo do mundo, o qual experimento com as pontas dos dedos. Medo que M. me quis dissuadir, em vão, e que cresce quando ouço barulhos altos e rependinos, vejo luzes em flash e ando desconsertada pelos corredores da UnB (os olhos que me olham me julgam em qual medida?). Hoje estou bastante cansada, quero carinho que deixa brotar o amor, não o estéril enconstar de corpos que recebo medrosamente. Luisa sentencia "mas ela não sabia que era impossível e foi lá e fez". Agora sei ser impossível, não faço, está registrado nos anais da história (ai!) que eu sabia, sou acusada por conhecer. Por te conhecer. Por pesar a leveza do amor e sabê-la em gramas decorado. Por ter tocado seu corpo com a minha mente e ter-me deixado tocar pela sua linda e deliciosa mente em expansão. Os momentos que guardo contigo remetem àquela inteligência mágica... pena estar eu culpada e você livre, pelo menos um dos dois não virará mais o rosto nem dirá "imagino..." quando nos encontrarmos nessa estrada.

domingo, 3 de setembro de 2017

Fui tocada e agora durmo

Primeiro dia:
ao chegar, me deparo com você encostado na mesa, conversando com alguém. Voltei dali mesmo de onde eu estava. Comprei uma água, esperei uma amiga e entramos juntas na sala de conferência. Bebi água obstinadamente, fui ao banheiro inúmeras vezes, na esperança de te encontrar? Talvez para fugir do mesmo lugar onde você estava. Schweppes estava perfeito, como sempre. Palavras doces invadiram meu ser. Olhei para você algumas vezes e você me olhou outras. Ainda bem que tinha duas boas amigas para amparar meus passos, senão correria para você, me jogaria em seus pés e seria isso a minha ruína. Das vezes que cruzamos caminhos, eu olhava para o chão, para o celular ou para o lado. Não sei para onde você olhava. Sai mais cedo por causa da carona, mas prometi ficar até o final no dia seguinte. Alguma sensação diferente da que sinto sempre? O vazio foi maior, a doce mão do desprendimento tocou de leve meus dedos enquanto eu andava para não chorar, senti que nem mais a dor seria minha, tudo seria apagado, como foi com D. Apesar de o meu coração querer sair e dançar com o seu, não fiz gesto algum em sua direção. Soube que nunca tive  espaço, nem terei. O chiclete da paixão está perdendo seu doce e ficando cada vez mais duro, mas ainda o masco com força e tristeza, pois sei que o jogarei fora e restará apenas aquela dor aguda nos maxilares por alguns dias. Te amo para sempre nessa vida, talvez na próxima eu desvie quando te vir vindo. Talvez eu corra e não tenha medo de pular de cabeça. Talvez você vire o rosto e eu nunca consiga explicar o vazio da incompletude o resto da vida. Não vire o rosto, por favor.

Segundo dia:
entro no meio da sua apresentação. Você gagueja, retoma a compostura e termina sua leitura. Sua voz embala meus pensamentos e se torna meus pensamentos. Agora minha mente declama de um púlpito, em sua voz, os Estatutos do Homem, "nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura das palavras. O homem se sentará à mesa com seu olha limpo porque a verdade será servida antes da sobremesa". Presto muita atenção em cada palavra que você diz e as deixo ir embora sem passar por meu coração, mas inútil. Tudo fica, retumba e faz morada (em cada dobra do labirinto ficam gravadas sílabas ou palavras incompletas que ecoam eternamente, palavras suas que me moldam e adornam). Do sadismo presente em sua fala, me fica o tempo em que me delicio em te olhar, mirar sua boca, suas roupas, seu sorriso. Você ficou vermelho e sorriu triunfante ao saber do curso já ministrado, você anotou cada pergunta e assumiu que não sabia responder a do Pilati. Nos intervalos, eu parada ao lado da porta, você saindo e eu não tinha para onde correr. Te parabenizei e seu sorriso + olhar de ironia incontida me perguntaram "o quê?" e eu repeti o frio e indiferente "parabéns". Não te falei nada de Sacher-Masoch e a necessidade de redefinição de sadismo por você. Não me importa seu conhecimento. Nos milésimos de segundos de sorriso + olhar, achei que você deixaria o passivo da sua postura passiva-agressiva e me destroçaria, mas seu auto controle te afastou de mim. Você ganhou. Falei com você novamente, parabéns. O preço da sua vitória é o desabamento do meu labirinto. Deixo livres suas palavras e me esforço para ouvir outras coisas. Os olhos que me olham de volta no espelho são olhos cansados e não mais acusadores que roubei de você. Mais uma vez os dedos quentes do desprendimento roçam meu rosto e levam algumas boas lembranças que tinha de você. 

É apenas uma questão de tempo para que sua voz não declame mais nada dentro de mim, para que eu corra em sua direção, nem tente te acertar com murros e beijos e lágrimas. É certo, entretanto, que uma grande parte de mim ainda terá sua assinatura, o ouro usado para colar as partes e me deixar mais espessa de histórias e sonhos, que eu ainda sonharei contigo e acordarei triste e nostálgica, que, ao andar pela UnB, ainda procurarei seus olhos, mas tudo bem. Encontrei em você meu amor impossível, minha fonte de tristeza, meu conto de fadas ao avesso. O mais difícil será deixar a mania de criar histórias nossas, imaginar seu calor e suas roupas. Agora eu preciso andar, ver outras gentes, me entregar a mais alguém que não tenha suas digitais nem o cheiro do teu cabelo. Preciso limpar toda essa bagunça e fazer novas amizades para me ajudar a colorir cada esquina, gaveta, balão. Deixo à você o agradecimento da inteligência mágica que a amizade produz, como disse Chico Alvim, entre lágrimas.