domingo, 24 de novembro de 2019

Terceiro sonho

Já havia amanhecido e eu, na minha ânsia de não levantar antes das 10h, fechei meus olhos e tentei me lembrar com o que havia sonhado na noite anterior. Foi assim: eu estava sem grana e um amigo me convidara a morar com ele nesta instalação que um artista holandês tinha criado. Era uma referência às escolhas que fazemos e suas consequências. Se eu quisesse ganhar uma grana era só ajudar a limpar o local todos os dias e a receber as visitas. "Não se esquece de pedir para assinarem no livro ata o nome e a data da visita, ok?"O local era deslumbrante, próximo ao centro da cidade, sem telhado, com pátios enormes e passarinhos por todo lado. Eu não tinha muita coisa, apenas uma cama, uma mesa e uma cadeira. Aos poucos, fui me preparando para o momento. Eu não sabia qual era, quando aconteceria ou como, mas sabia que devia me preparar. O dia amanheceu lindo, ceu azul, um vento gostoso que juntava todas as folhas secas num canto do pátio só para depois as espalhar de novo. O dia havia chegado. Andei em todos os corredores, retirei todas pedras, folhas e penas que encontrei. Acordei meu amigo, contei sobre aquela sensação de que algo iria mudar minha vida. Corri para meu quarto, troquei de roupa, procurei meus óculos, mas não achei. Gritei para o meu amigo se ele os havia visto. Mal fechei a boca, meu celular tocou. Atendi com as mãos meio trêmulas e a voz embargou só para eu ouvir minha mãe do outro lado da linha me pedindo para ir vê-la urgente. Seria isso? Peguei a chave do carro, saí pela entrada dos funcionários, que quase nunca usava, mas estava mais próxima, e fui encontrá-la. Ela tinha convidado a filha de sua amiga para tomar café e quis que  eu estivesse presente para conhecê-la. Conversamos sem nos entendermos, eu estava distraído querendo ir embora. Do momento em que saí de casa eu quis voltar. Convenci como pude a minha mãe de que não poderia me demorar, mas em vão. Quando cheguei, pela cara do meu amigo, eu soube. Eu tinha perdido a chance da minha vida. "Ela se foi, mano. Ela me pediu para te dizer que seus óculos estão no chão, perto da cama, que era assim que vocês iriam se reconhecer nesta vida e que ela não entendia, era para você estar aqui, era hoje o dia em que vocês se veriam e seguiriam juntos", me disse ele, quase com pena. Quis saber que horas ela tinha vindo, como ela era, o que ela fizera, "você saiu por aquela porta e ela entrou por esse corredor com a irmã dela". Eu a perdi.

Segundo sonho

Acordo do Primeiro Sonho apaixonada. Volto a dormir depois de ir beber água. As cobertas ainda estão quentes. Foi assim: percebi que havia se levantado há algum tempo e que não tinha retornado para cama. Sua ausência foi se tornando maior à medida em que as cobertas foram esfriando. Passei a mão no travesseiro ao lado. Acordei sobressaltada e me levantei. A luz da cozinha estava acessa. Ela bebia água e, ao me ver, sorriu, o que a fez cuspir um pouco de água na bancada. Aquilo era amor. Ela me falou de uns pesadelos e da sede que sentia. Fiquei com sede apenas de ouvir o barulho do filtro. Peguei outro copo, me encostei na geladeira e olhei para as pernas, calcinha e bunda dela. Seus cabelos estavam soltos, ondulados sobre os ombros. Quis tocá-la, mas não soube como. Ela se virou, me chamou de tarado e sorriu. Eu estava completamente acordada, pronta para o dia. Ela me beijou e voltamos para cama. "Isso é amor", pensei.

Primeiro sonho

Foi assim: era ainda cedo, estávamos na parati cinza meu pai, eu, meu irmão e minhas irmãs. Passeávamos sem destino, música na rádio, todos cantando. Paramos para pedir informações. Minha irmã mais nova foi à farmácia do outro lado da pista, meu pai e meu irmão se sentaram em bancos de concreto, numa praça com árvores e eu e minha outra irmã fomos andar. Lembro de olhar para trás, gritar "estamos logo ali! Não nos esqueçam!", meu pai tira os olhos do mapa e sorri. Sei que estamos bem, que chegaremos ao nosso destino. Quando me dou conta, estou logo atrás da minha irmã, entrando por um corredor estreito, olho para cima e vejo o ceu azul. O corredor dá para um pátio com várias portas para outros corredores e outros pátios e outras portas. Descrevo melhor: as paredes eram feitas de tijolinhos marrons, sem telhado algum, mesmo nos cômodos sem portas ou janelas, apenas os espaços vazios. Não havia pichações, não estava sujo, velho ou mofado, muito pelo contrário, estava varrido, sem folhas, apesar das árvoes do parque, e tudo cheirava a barro molhado. Era lindo. Enquanto caminhava, deixei meus dedos tocarem as paredes úmidas. A cada esquina, havia um cômodo vazio, vários outros corredores ou um pátio com bancos, fontes de concreto ou árvores. A cada esquina um deslumbramento. Minha irmã logo puxou assunto com um rapaz alto, barbudo e forte que também andava por lá. Ao contrário da gente, ele sabia onde estava, mesmo naquele labirinto. Ele se apresentou e começou a mostrar o lugar com um certo orgulho de proprietário. Era ele que mantinha o lugar impecável. Minha irmã e ele começaram a trocar olhares, sorrisos e eu saí de perto à tempo de entrar num cômodo que julguei estar vazio, mas não estava. Tinha uma cama de casal com uma coberta jogada, uma escrivaninha com vários livros, um guarda-roupa entreaberto e um tapete. Olhei com atenção todas aquelas coisas, no chão, sobre o tapete, entre a cama e o guarda-roupa, uns óculos pretos estavam sobre revistas, peguei-os no intuito de colocar sobre a mesa, senão o dono poderia pisar neles. Ao colocá-los na mesa, reparei numa foto de vários jovens e adultos, colada no espelho. "Quem será você nesta fotografia?", olhei rosto por rosto até encontrar o par de óculos. Ele era absolutamente lindo. Ouvi a voz da minha irmã chamando e saí do quarto. O rapaz me disse que ali dormia seu colega, mas que ele tinha saído num assunto urgente. Ele me disse o nome dele, mas não me lembro. Do que eu me lembro, entretanto, é de dizer que aquele rapaz era o homem da minha, pelo qual eu esperei todo aquele tempo, que seu amigo deveria dizer a ele que eu estava lá, que eu tinha chegado para que pudéssemos nos encontrar e que eu jamais poderia me esquecer os óculos de armação preta sobre as revistas no chão, que eu já tinha visto a fotografia, porque era assim que nos reconheceríamos nesta vida. Ouvimos nosso pai chamar do lado de fora e fomos até ele. Fim.

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Me torno algo sem nome, mas não mais sozinha

Guardo essa energia com medo de gastá-la em vão, como acontecera tantas outras vezes. Queimo com toda a minha força essa chama que me reduz a cinzas. Vi, com um leve susto, o rato correndo em frente ao café que agora frequento. Um sorriso e um pensamento, "logo, logo, estará ele esmagado a estraçalhar meu sentimento de mãe de Deus". Talvez Bruno entendesse e sorrisse também, se ele estivesse ali, mas já tinha ido embora. Há meses não o vejo com aqueles olhos tietantes. Ficaram tristes os meus olhos. Me permito sentir a dor, ser consumida, orando para que sobrem meu sorriso e minhas mãos ao passar para o outro lado das chamas. Eu não vou mais voltar, mesmo sem saber ao certo o que isto quer dizer. Noite passada realizei um sonho antigo com pessoas que sempre amei. Na casa da Luisa, ela, Marquinho e eu conversamos até nascer o sol. Percebi os primeiros raios quando o Téo, o cachorro, esticou suas patinhas marrons e abriu seus olhos brancos de cegueira. Conversamos sobre a necessidade de amar e, principalmente, de aceitar o amor do outro, sobre músicas boas e ruins, sobre os desdobramentos da vida e como jamais pensei que seria essa a minha tragetória, mesmo sendo tão óbvia. Marquinho tocou seu violão, me ensinou algumas notas e se tornou um amigo querido. Luisa conversava em espanhol e em inglês com seu amado Noah. Eu agradeci cada segundo com eles, recitei minhas poesias favoritas e fui fazer um café. Bebi sedentamente de cada palavra, cada olhar, cada sorriso, porque só existe o agora e consegui ver que naquele agora eu estava completamente feliz. Não era um completamente feliz superficial, que dizem todas as gentes na semana do pagamento ou na véspera de Natal, em que passados alguns instantes já se teriam esquecido do sentimento de infinito. Era um completamente feliz de saber receber o amor e, mesmo meio sem jeito, sem saber o que fazer com tudo aquilo, de costurá-lo cuidadosamente à minha pele, à minha alma. Antes eu olhava do fundo do poço de mim, dos corredores infinitos de meu labirinto, de braços estendidos, pedindo salvação, sozinha, sem ver as mãos estendidas ao redor. Hoje, começo percebo, lentamente, a presença de meus amigos, antigos amores que souberam ficar, familiares e conhecidos. Esta presença que som alegria aos meus dias, que me fazem repensar quem sou e o que sonho. Estou voltando a sonhar! Um amigo me diz "mas amigos também falham!", eu entendo o alerta para eu não colocar a expectativa da minha felicidade neles. Eu entendo e aceito. Tomarei cuidado para não projetar, para não obrigar, para não matar afogados os sentimentos com excesso de cuidado. Pulsa o desejo de ser mãe. Estou à procura de alguém que enfrente essa longa jornada ao meu lado. Jornada que durará o resto de minha vida e mais, muito mais.

terça-feira, 5 de novembro de 2019

A Livraria e meu presente de aniversário

O papo estava bom, tranquilo como sempre é ao lado de Luisa. De repente ela me confessa algo já tão ingênuo que preciso ver com meus próprios olhos. Luisa está apaixonada por um livreiro de um sebo em sua quadra. Quero vê-lo, medir-lhe a altura e tamanho dos sonhos, escutar-lhe a voz, o que me dirá os olhos e mãos. Caminhamos lado a lado, como convém caminhar com uma amiga, olhamos árvores, lojas, carros, a vida que nos rodeia. Ela me pergunta o que ando lendo nesses últimos tempos e lhe digo que nada muito especial que deva ser seguido, mas Mulheres que Correm com os Lobos é sempre uma obra de auto-revelação e que Saramago deve ser provado aos poucos, num desejo obtuso de conhecer o profundo do mundo. Chegamos à porta do sebo minutos antes de fechar. Em frente à porta, dezenas de livros ofertados por dois reais. Escolho um pelo título, "De Bar em Bar", pela imagem da capa e por ser velho, ter cheiro de velho e páginas amareladas. Puro prazer. Ela segura em minha mão enquanto vamos santuário à dentro. Várias prateleiras empilhando livros e mais livros, divididas por gêneros, em corredores estreitos, com caixas espalhadas pelo chão. Um caos. Ao fundo de tudo isso, um rapaz alto, de cabelos castanhos escuros e pouca barba nos mede desde antes da porta e sorri. Perguntamos sobre Clarice e ele começa a conversar. Olho em volta e me lembro de outra livraria maior do que esta, na asa sul, onde vi o Amor desabrochar diante de mim e de onde fui embora de olhos fechados. Rapaz gentil, nos trouxe os exemplares que tinha, falou da procura insana por Clarice nesse último mês, "hoje e sempre", retruquei sem me dar conta. Eu falava mais comigo do que com as duas outras pessoas no recinto. Tantos livros, tantos sonhos maravilhosos, histórias, viagens, dores, amores... Eu, abraçada com meu livro, não conseguia pensar em nada para ajudar Luisa a manter a conversa, embasbacada que sempre fico em livrarias intimistas como aquela. Ela me pagou o livro e me prometeu uma dedicatória. Fomos embora. Duas adolescentes ao encontro do amor, ou seu resquício, pelo menos. Luisa ficou feliz, disse-lhe todas as minhas impressões, compartilhamos o que tínhamos acabado de vivenciar, e pareceu dois universos diferentes. Luisa, em sua agonia de não saber o que ser para interessar o jovem livreiro, conversando sobre Clarice e suas tiragens, numa expectativa crua por um sorriso, um telefone, um convite para um café, e eu, querendo todos aqueles livros, segurando com todo o cuidado e amor um livro, cujo único benefício era o título. Pelo caminho, folheei suas últimas páginas e descobri, com imensa surpresa, que a personagem principal era a mesma de meu livro favorito. Numa outra encarnação, pelo menos, Theresa e Tomas foram irmãos, não compartilharam muito da vida juntos, já que ele morrera na Guerra do Vietnã, e ela adoecera ainda criança. O laço que os uniu permanece. Em quantos outros livros, eles caminham juntos um pedaço do caminho? Luisa me dedicou dizendo "você me faz lembrar da luz que existe em mim". Eu te digo o mesmo. Existe música em mim hoje, graças a você.

Guarde um beijo pra mim...

Foi com um susto que ela acordou de madrugada. Uma lágrima escorria enquanto ela tentava distinguir entre realidade e sonho, preferindo o sonho. Nele, alguma coisa de muito ruim acontecia e ela, aos prantos, tentava se explicar. Foi nessa hora, com uma dor insuportável no peito, que ela acordou. Uma palavra ressoava longe nos seus ouvidos. Estava difícil dizer se ainda estava lá ou livre. Livre onde? Se seu quarto estava escuro, sua cama meio vazia. Sorriu. Sua psicóloga lhe diria da incógnita do copo. Os olhos agora viam, sem aquela penugem dos que voltam de suas mentes, que a luz da janela era rosa. Deve ser bem de madrugada, pensou, não vou nem olhar as horas para não acabar com a magia. Sentada, com as pernas esticadas, ela enxugou com surpresa, as lágrimas que ainda caíam. Devia estar sofrendo muito no sonho. O que me disseram para eu ter desejado fugir para o mundo real? Aqui está melhor do que lá, com certeza. Ela passou a mão pelos lençois. Frios, constatou. Só agora percebera que respirava pouco. Suspirou profundamente. Percebeu que ia pensar nele e, imediatamente, se levantou, cantarolou Belchior e foi beber água. As pernas falharam, no começo, o que a fez lembrar de quando levantava da cama para buscar água depois do amor. Ele ficava na cama, deitado com as mãos sob a cabeça. Tudo em sua casa lhe parecia estranho, vindo de um outro lugar mais distante e antigo. Em alguma janela, uma brecha deixava assobiar o vento, mas ela não sabia qual. Nessa atmosfera rósea, fria e solitária, ela se sentou à mesa, enquanto bebia lentamente seu copo d'água, e deixou que mais uma ou catorze lágrimas escorressem. Se sentia falta dele? Era óbvio que sim, mas o que poderia fazer para convencer o amor de sua vida que ela valia a pena? Se ele precisava ser convencido, então, nada daquilo valia a pena. Seus pensamentos vagavam entre sonho e realidade, entre suspiros, ela decidira chamar essa nova fase de liberdade, ao invés de solidão. Quis sorrir, mas estava sonolenta demais para conseguir. Encostou a cabeça sobre a mesa, numa blusa de frio ali esquecida há semanas e só acordou quando seu celular despertou às 6h10 da manhã. Dolorida, ao abrir os olhos, escutou com clareza a palavra que lhe assombrara na noite anterior: Mountak.

domingo, 29 de setembro de 2019

Fragmentos de um Discurso Interior

A certeza de que o dia seria bom veio ao acordar. Não foi em você que pensei ao abrir os olhos, não houve dor. A solidão não me acompanhava. As mãos submersas, o pensamento vago entre uma onda e outra, o barulho incessante das crianças, a água da piscina ou o frio em minhas costas, tudo me levava à areia quente frente ao mar verde transparente de Recife. Escondo a ferida entre episódios de séries ou playlists nacionais. Uso ambas as mãos para não deixar pingar no chão o sangue quente que escorre, em vão. Disfarço a ansiedade de uma mensagem ou telefonema com textos sem nexo num diário fajuto. Pensei que seríamos diferentes, apostei todas as minhas fichas e perdi. Gessinger sussurra doce e calmo ao meu ouvido "que amor era esse que não saiu do chão? Não saiu do lugar, só fez rastejar o coração..." Quantas vezes ainda escreverei sobre a gente? Entre lágrimas, ao dormir, repito meu novo mantra "Abra a mão, solte, deixe ir, está tudo bem... foi ele que não quis ficar" e de novo e de novo, até me perder em pensamentos e sonhos. Pensei que seríamos diferentes, mas me sinto insuficiente, como com todos os outros que vieram antes de você, me sinto insegura e não quero acreditar que você sente prazer ao não responder uma mensagem minha dizendo o quanto sinto saudades e como gostaria de te ter ao meu lado. Não deu certo, não quero mais. Me afasto o quanto consigo o mais rápido que posso. Arrasto comigo tristezas sem fim, frustrações, medos, sem saber distinguir entre eles e quem eu sou. Meu mosaico manchado de sangue, cada peça em chagas abertas, meu trabalho interior de cura e pintura, sempre atenta a novas feridas que sua indiferença pode causar, sempre fugindo, de olhos fechados, imaginando, no próximo passo, o abismo em que caio. Sempre Alice.

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O frio que sentia vinha do chão, ele tinha certeza. Não havia outra explicação. Desde criança, aprendeu a usar meias em casa. Que chão frio!, se espantava entre tirar os tênis e procurar as meias listradas, que sua irmã lhe dera. Acostumara-se, como quem sempre come menos do que gostaria e, por isso mesmo, pela fome constante e fina, tudo lhe incomoda os nervos. Essa fome que não mata o corpo, mas o prazer da vida. Ele vivia sem alegria alguma dentro daquela casa de chão frio. Aos poucos, percebeu que sua família, ao sol era também mais feliz, mas ao entrarem em casa, como de surpresa, ficavam frios. O que teria embaixo do chão que o deixava assim, sem vida? Ele se questionava de cima da cama, olhando para baixo com apenas um dedo a tocar o chão.

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Observo-a dormir. Seus cabelos, ainda úmidos do prazer anterior, esparramados sobre o travesseiro, deixam um cheiro bom de xampú e suor no ar. Me aproximo devagar, para não despertá-la, dou-lhe um beijo na cabeça e encosto o rosto em suas costas. Das coisas que ela faz enquanto dorme, gosto de quando passa a mão sobre mim até minha coxa, mexe suas pernas e empurra com obstinação minha perna entre as suas. Esse gesto me excita e ela sabe disso. Pressiono levemente meu quadril contra sua calcinha e, automaticamente, minha mão corre até seus seios. O gemido baixo e rouco dela, enquanto se contrai contra mim, me faz sorrir. Sinto a paz que meus pesadelos me roubam. Sinto-me mais amado quando percebo, no meio da noite, sua mão a me cobrir as costas e a acariciar meus cabelos. Ela me segura pelo punho, encosta sua cabeça em mim e me adorna de beijos. Numa manhã letárgica, ela me confessou que lera isso num livro, seu livro favorito, e que sempre tivera vontade de experimentá-lo: dormir segurando o amor de sua vida pelo punho para que ele não a abandone na calada da noite. Penso nisso várias vezes ao dia: como posso ser o amor da vida dela? Que livro é esse de onde ela tira essas coisas? Por que alguém a abandonaria na calada da noite? Pelo que, meu Deus, será que ela já passou? A minha última pergunta antes de dormirmos é sempre a mesma: você é a melequinha e eu a conchinha ou eu sou a melequinha? Ela responde que ela é a conchinha, porque, assim, ela dorme melhor, se sente mais segura. Quando a desejo em meus braços, a sentir o cheiro do seu corpo, minha mão entre suas pernas, digo simplesmente: hoje você é minha melequinha. Ela raramente argumenta, assumindo a posição tão familiar, inclinando a cabeça para o último beijo da noite. O pior é quando algo nos separa e não nos tocamos na cama, algo dito ou feito que magoou, reviveu traumas e feridas quase cicatrizadas. Ela se deita distante, eu não sei o que dizer para trazê-la para perto, não sei se posso me aproximar, puxá-la para mim, enchê-la de beijos. O frio dos lençois normalmente a traz para mim, sua tocha, meu super poder. Da última vez, quando a senti sobre meu ombro, me virei tão rápido e lhe beijei tanto, os olhos, as bochechas, a boca, o nariz, que ela se assustou um pouco, mas entendeu o gesto do meu amor desesperado e me beijou de volta. Soube, naquele momento, que estava tudo bem e poderíamos dormir tranquilos. Observo a curva de seu sorriso antes de me beijar, a forma como ergue a cabeça ao prender os cabelos em coque quando está sobre mim, o encaixe do seu corpo sob o meu. De tudo isso, o que fica são suas mãos orquestrando nossa sinfonia de prazeres, em meus cabelos, em minhas pernas, ao segurar com força o travesseiro e arremessá-lo longe. Ela me pede minha mão em casamento quase todo dia. Sorrio. O que devo responder? Não respondo nada. Vejo a tristeza aceitar o pedido e a levar para longe de mim. Imediatamente, digo algo sem graça de duplo sentido, na vã tentativa de trazê-la de volta. Ela sorri. Antes, eu mesmo a puxava com vigor e coragem das mãos sem graça e frias da tristeza que lhe impusera, mas, hoje, ela nem me pede mais nem espera ser resgatada. Hoje, vamos dormir em camas separadas, em casas separadas. Será assim daqui para frente. Guardo apenas o que consegui observar.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

As mudanças chegaram para ficar

Cada um conta o tempo de forma diferente. Meus irmão têm grudados em suas mãos calendários semanais, com os compromissos agendados perfeitamente. Olho minhas mãos e pensei que veria restos de tintas e cola, mas estão limpas com um cheiro bom de xampú de bebê. Me lembro de Miguel e da casa na qual não entrarei mais. Se eu ocupar minha mente com sete coisas diferentes, logo logo me esquecerei dessa casa, do Miguel e de seu querido pai. O difícil é contar sete coisas que não me lembrem eles. Foi bom. Conheci lugares aqui dentro que jamais imaginei ter. Estou mais decidida sobre o caminho a trilhar, para que lado olhar ao atravessar a ponte, essas coisas. Não espero que a Baba Yaga me venha segurar pela mão e me alimentar com as peras contadas do rei. Mas, anseio, não tão secretamente, encontrar alguém que não duvide. Não duvide do meu amor, da minha gratidão, da força do relacionamento, de si mesmo, da realidade. Quero alguém que tenha certeza do que está fazendo, mesmo sendo a maior loucura de nossas vidas, que me segure firme a mão e sempre faça eu me sentir a mais linda, a mais amada, a melhor compreendida, que seja sincero o tempo todo e que não me troque por qualquer outro compromisso do caminho. 
Cansei de ser deixada de lado por mil e uma futilidades.
Cansei de ser ignorada no whats.
Cansei de ver as pessoas te tratando feito lixo, ou banco e você sem fazer nada para mudar isso.
Cansei de te ver só à noite para transarmos, você virar de costas e ir dormir.
Cansei da insegurança e dos ciumes.
Cansei da falta de consideração.
Sou melhor do que isso. Quero ser melhor. Não vou fazer como você e ceder ao medo. Eu prefiro morrer no fogo que mofar guardado. Eu te agradeço por me fazer ver que não compensa mudar quem você é por uma pessoa que não mudou em nada por mim, por deixar mais certo o caminho onde prefiro ser sol do que mal iluminada, por me deixar ir embora de uma vez por todas.
Se te bloqueio é porque preciso te tirar de mim de qualquer forma, não foi por infantilidade, mas por necessidade. Não sei mais se te amo e eu deveria saber, não é mesmo? Eu deveria ter certeza desse amor para lutar e vencer o que quer que fosse, mas a sua incerteza se apoderou de mim e agora eu não sei de nada sobre a gente. Sei sobre mim, sobre meus planos.

Planos:
mudar de escola em 2020.
reformar meu escritório.
comprar meu apto.
viajar na semana do saco cheio.
ter um filho (gêmeos de preferência)

Sobre mim:
adoro contemplar a lua cheia com um bom vinho
cozinhar ouvindo música é muito melhor
tomar banho por horas a fio com creme nos cabelo é melhor se for a dois
curto ficar em casa jogando baralho ou vendo filme
não curto mais tanto assim ir para festas barulhentas, ainda prefiro pubs e meus amigos mais íntimos
o silêncio da minha casa é a melhor parte do meu dia
a intimidade de uma boa conversa supera e muito alguns minutos de sexo
aprender a ouvir o outro, a intrepretar seus olhares e sorrisos, segurar sua mão enquanto durmo são os pilares dos meus próximos relacionamentos
não curto mais transar com desconhecidos somente para preencher uma lacuna na minha vida. Quero carne, mas quero antes de tudo, cumplicidade
só existe o hoje. Não faço mais promessas
Deito no chão da sala e reparo em tantos detalhes que deixei passar. Não mais. Cada detalhe será vivido e exaltado como se deve.
Meus pés cansado encontrarão um sapato velho quando der.

Mais uma vez agradeço. Me despeço com um abraço longo e apertado. Há amor, ainda há.

terça-feira, 16 de julho de 2019

Rio Brasília

No primeiro dia, achei que não sobreviveria. Do segundo em diante, percebo com certa dor que você escolheu ir embora. Com certa dor não,  com muita dor. Penso em cortar os cabelos, fazer as unhas, me depilar e sair à noite, em meio ao eclipse que reparte a lua cheia em escuridão. E, apesar de acompanhar cada segundo do eclipse da varanda, não encontro ânimo para sair. Estou mais linda do que sempre, mas a tristeza crava fundo suas garras e não me movo. O livro do bombeiro leio cada vez mais rápido, para que cesse a obrigação do áudio ao anoitecer. Hoje, entretanto, enquanto lia, me comoveram algumas passagens e tive que reter as lágrimas. Duas ou três conseguiram escapar, mas nem pude desfrutá-las como se deve por conta dos cílios, que não podem ver água por 24 horas. Enxuguei o rosto o mais rápido que consegui e corri ao espelho para ver se estava tudo bem. Vi um rosto demasiado triste, sem cor. Tive pena de mim, como cheguei a momento tão deplorável? Não soube responder ao certo. Tem à ver com sua viagem e com o que me tornei para caber nos seus sonhos. Ainda lembro da raiva mal contida entre dentes enquanto você me dizia "me disseram que ou é do seu jeito ou não é. Você é muito cabeça dura." Sofro. Sinto pena de você, da raiva que gotejou, da sua falta de habilidade de conversar direito. Sinto pena da gente.
Pensei em chamar alguém para sair, aproveitar que minha mãe ia dormir na casa da 2. Pensei em tantas pessoas, nas que aceitariam de pronto, nas que dariam qualquer desculpa para não vir, nas que brincariam com os meus sentimentos e nas que não me atenderiam. Jamais pensei que você estivesse no penúltimo grupo, você que lê as mensagens e as ignora, porque está ferido o suficiente para nunca mais se entregar, nem o mínimo possível capaz de fazer esse relacionamento dar certo, porque me disse "2 semanas é muito tempo para VOCÊ ficar sozinha", quando era você que planejou ir para o Rio sozinho, porque você confunde se fazer de difícil com descaso e falta de consideração. Prometi não me repetir mais no que preciso que você mude para que a gente tenha alguma chance. A cada dia fica mais claro que não temos chance alguma. Você me quer crente, louvando o seu Deus, submissa, mãe dos seus filhos, medíocre, normal, como todas as outras. Eu te quero livre, pensando por si só, assumindo as responsabilidades da vida, homem, dono (senão do próprio nariz, pelo menos) da própria casa, viajando, conversando em pubs à meia luz. Vê? Não sonhamos as mesmas coisas, queremos o impossível um do outro, nos forçamos a acreditar que o que o outro dá basta, mas não basta! Não é só porque somos bons na cama que a vida se ajustará. Miguel é o mais próximo de filho que tive, eu o amo. Agradeço tudo o que vivemos. Sei o que quero e o que não quero nos meus próximos relacionamentos. Sei que vai levar um tempo pra fechar o que feriu por dentro, mas quando sarar, me abrirei novamente para o amor, para a vida compartilhada. Por enquanto me vejo de mão estendida ainda sentindo o calor da sua mão que agora de afasta cada vez mais. Tento entender, tento guardar esse momento, mas sei que ele se extingue, sei que depois do calor o frio será maior e a dor quase insuportável. Espero que eu sobreviva, que eu saiba me enrolar inteira, contar as bênçãos e reconfigurar meu mosaico interior. Espero também que você encontre o que procura, firme e forte e que Miguel tenha o pai que ele precisa, sem atalhos, sem facilidades, sem negligenciar a responsabilidade da criação. 
Respiro fundo. Na próxima curva do caminho ei de encontrar o meu oásis. 

domingo, 30 de junho de 2019

Considerações

Vejo suas fotos, uma depois da outra até a primeira fatídica publicação. Dali tiro algumas leves conclusões sobre você, sobre mim, sobre a gente juntos. Você é do tipo nerd tímido (que tanto adoro), você viveu os momentos mais felizes da sua vida sem saber (hoje, entretanto, você sabe que aqueles foram os dias bons e que, de agora em diante, seu sorriso sempre terá uma sombra). Ainda tem algumas fotos de vocês dois juntos ou declarações de amor dela em quase tudo que você postou. É triste rever tudo isso? Quando me atentei para os comentários, tranquei meus sentimentos no alto da torre na vã tentativa de não sentir ciúmes do mundo que vocês tinham, da felicidade, do companheirismo. Eu olho para mim e não vejo nem a remota possibilidade de conseguir viver isso com você. Já não sei mais me entregar, nem sei se você quer... Não sei dizer "meu amor lindo" numa foto sua, nem curtir um churrasco em família tranquilamente. Sim, eu me comparo 24 h com a sua vida antiga e nada daquilo me representa. Eu não sei como você consegue. Chorei no seu colo, porque eu não consigo. Eu não sei mais me desprender das minhas feridas, dos meus medos, dos momentos ruins para me entregar a essa coisa mágica em sem forma que você me oferece. Parece bobo, mas já virou rotina eu ficar com raiva de alguma coisa e me afastar, ao invés de você tentar me alcançar, você me dá o espaço que eu pedi, sendo que não é o que quero. Eu preciso conversar com você sobre o meu passado para ver se ele pesa menos ou só para ouvir suas considerações, mas sua atenção está na TV. Eu desisto. Mais uma pedrinha que poderia ser usada na ponte que nos unirá desperdiçada. Você me diz que é feliz, feito de um feliz diferente do feliz de antes, e eu olho pra mim e só vejo feridas. Não, eu não sou feliz. Eu carrego o medo de não ser suficiente para ser Amada, eu tenho uma memória horrível, eu aprendi a não prestar atenção demais nas coisas ao meu redor para eu me machucar menos (com as mentiras, falsidades, covardias), eu tenho esse complexo de que serei abandonada ao menor erro, eu sou insegura em relação a tantas coisas, eu tenho muitos pesadelos com momentos da minha infância. Sabe, quando meu pai foi embora, minha mãe e irmã cochichavam o tempo todo, minha mãe chorava muito e, ao me aproximar, elas mudavam de assunto ou me mandavam sair dali. Então, eu sou muito desconfiada com as coisas boas que acontecem comigo, porque, um dia, tudo pode acabar sem ninguém me explicar o motivo. Eu posso acordar e estar sozinha, de novo. Eu te falo que a sua voz é importante e que quero te escutar, porque a minha voz só passou a ser ouvida depois de alguns anos de total silêncio castrador. Eu não quero que você passe por isso, então eu te digo o que eu gostaria de ter escutado de alguém. Eu te amo do jeito que eu gostaria de ter sido amada, antes de toda dor. Eu tento me lembrar do que eu precisava (afeto, carinho, respeito, compreensão, diálogo...) e nunca tive e te dou. Acho que é assim que eu te amo: gestos frágeis, voz macia e a necessidade de te fazer entender que, agora, você não precisa mais olhar sozinho se tem um monstro embaixo da cama. Talvez, para você tudo isso seja bobagem, coisas sem importância, mas, pra mim, é a forma de encontrei de cuidar do meu passado, da criança assustada que me olha de dentro. Você é o meio para minha cura interior, eu me perdoo, perdoo meus pais e meus irmãos quando eu te dou aquilo que eles nunca me deram. Mas, me desculpe, se não sei amar sua beleza, sua calma, seu mundo. Eu quero muito. Eu quero que você fique, eu quero que você me abrace abertado, eu quero que você não me dê o espaço, que você me busque na escola, que sua mão nunca solte a minha. Eu te amo!

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Será esse o nosso fim?

A bolha na ponta do dedo de apontar as estrelas no céu, a sombra do avião no chão, de limpar o restinho de iogurte no potinho de danone, dói muito. Um segundo de desatenção foi suficiente para que a queimadura ardesse latente e morna. A dor da bolha me diz que ainda sinto. Mas sinto o quê? Maior que a dor da bolha é a da indiferença, da falta de consideração. Entro de sala em sala até encontrar alguém que me ajude, que leia nos meus olhos a dor e me ajude. A cola quente grudada à pele não solta por nada, o medo é o da pele vir junto e só me sobrar o buraco fundo e a cicatriz eterna. Quis te contar tudo isso junto com a foto que te mandei, mas o dia tinha sido corrido, não nos vemos e mal falamos. Deixa quieto. Mais uma pedra que poderia ser usada na construção da ponte que nos uniria finalmente, mais uma pedra deixada de lado, mais uma gotinha para a taça de mágoa quase transbordante. Me lembro do verso que diz "quando o amor se torna mágoa nunca passa a aflição" e ele nunca fez tanto sentido. Se te amo? Claro! Talvez você seja a última pessoa que amarei, a quem me doarei e apostarei todas as minhas fichas, mas não sei mais se você me aceita. Tão ocupado, um verdadeiro adulto sério, que não vê nem a cobra, nem o elefante, muito menos o chapéu, que passa os dias com sua calculadora somando as dívidas, acendendo e apagando sem cessar o lampião da única rua chamada Vida, sem perceber que a cada segundo somos Outros, transformados e passageiros. Me sinto tão sozinha o dia inteiro, anseio seu par de olhos sobre mim para eu poder tirar minhas máscaras, me aliviar das pressões cotidianas e conversar sobre o que realmente importa, deitados na rede ou na cama. Estar com você, poder ser quem sou e costurarmos calmamente nossos elefantes com suas estopas refeitas é o que quero para os meus dias, mas fica claro que suas prioridades são outras e eu não estou entre elas. O que posso fazer? Retiro minhas expectativas e sonhos, limito meus planos, espero o pior de você (como do resto do mundo) e me fecho para que o seu desdém não me machuque mais. Se não posso baixar a guarda ao seu lado o que ainda estou fazendo ao seu lado? Se sempre tenho que adequar o ritmo dos meus passos aos seus e se preciso perguntar o que você entendeu das nossas conversas, para desfazer todos os mal entendidos que você mal entendeu, por que ainda me preocupo em andar do seu lado e de me explicar? Se ao menos eu visse uma tentativa de mudança, mas nem tentar você tenta. Você se surpreende quando digo que a cada dia somos novas criaturas que não se banham na mesma água do rio, quando, para mim, esse é o fundamento para a beleza da vida. Somos tão diferentes e ainda assim te amo com tanta força,  mas não sei se devo ficar. Quero ver as mágoas entornarem a taça e se espalharam em todo o meu ser ou devo me retirar enquanto há salvação para a minha alma e remédio para as minhas dores? Resta a pergunta: o que você quer de mim? Será que consigo me domesticar para caber nos seus sonhos tradicionais medianos? Conseguirei guardar minhas melhores partes para ser o que você espera de mim? E eu? Eu quero fazer tal sacrifício? 

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Recomeço

Ele é de exatas. Eu, de humanas. Ele vai para a igreja aos domingos. Eu prefiro pubs, cerveja gelada e conversas ao pé do ouvido. Ele pede pizza. Eu prefiro chá de camomila. Ele tem Miguel. Eu sonho Luisa (decisão tomada no banho, de ser com "s" e não com "z", sem acento). Ele vai para o trabalho de carro. Eu, de ônibus. Ele curte Pokemon e sci-fi. Eu prefiro Plants vs Zombies e Simpsons. Ele escuta de tudo um pouco. Eu me atento ao rock e ao MPB. Ele me chama para tomarmos banho. Eu coloco pasta nas duas escovas. Ele usa um perfume bom. Eu quebrei o meu há alguns meses.  Ele é gentil. Eu mais me pareço com uma britadeira. Ele não segura minha mão com força antes de atravessar a rua. Eu sempre penso que ele vai correr na frente e me deixar para trás. Ele se matriculou no curso que decidimos fazer juntos. Eu não. Ele me ensinou a assar tudo que encontro na geladeira. Eu o ensinei a tomar café sem açúcar. Ele me ensinou a gostar de jogos de tabuleiro Eu o ensinei que nazismo não foi um movimento de esquerda. Ele tem a casa dele. Eu tenho a minha. Ele me mostrou o lado bom da rotina do Amor. Eu quero viajar sem destino na hora dos mágicos cansaços. Ele tem medo. Eu também. Ele me diz "eu também" quando digo "eu te amo". Ele não me deixar entrar em seu mundo. Eu imagino muito e projeto pouco, tateio no escuro o que ele não me diz. Ele se esforça. Eu o admiro. Um lugar ao sol para ambos. 
Isso que construímos todos os dias, com saliva, lágrimas, calor, preces e comida, parece tão frágil e me dá tanta força. A segurança de poder caminhar pela vida livre, compartilhando momentos bons e ruins, sonhos e pesadelos. O Amor recíproco ao alcance da mão durante a noite. Os pedidos ao Universo realizados, num só corpo, com uma voz macia e uma pele quente.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Mais um dia, menos um dia

A cicatriz ainda recente se mostra no medo de ser tocada e aberta. Como viciado evitando olhar as esquinas já conhecidas, fecho os olhos, prendo a respiração e finjo estar tudo bem. Consegui algumas armas para te ver melhor, mais real, menos projeção, mas não as quero. Vi seu insta dias atrás e o sentimento foi diferente, como fotografia antiga cujas linhas invisíveis não tocam o presente. Preciso ser verdadeira comigo mesma: você foi um sonho do qual não quero acordar, porque a realidade doi muito. Sua presença se faz mais forte na ausência anunciada e não quero mais isso. Logo eu! Eu que recito verdades menores para não deixar iludidos aqueles que amo, eu que seguro as mãos daqueles que se jogam em abismos e os amo infinitamente. Logo eu que construi um castelo de cartas, me crucifiquei lá dentro e me abandonei, na tola esperança de ser vista. Aquele amor sem forma, a dor sem tamanho e a angústia latente estão se resfriando e virando um amontoado de gratidão. Fiz planos com você para o próximo Carnaval, apertanto ainda mais os pregos em meus pés. Será que vem da ilusão, mais uma vez, essa possibilidade de libertação? Não fui eu que matei o Homem que desamarrou minhas mãos e me empurrou para fora das sombras, eu perambulei cego e confuso por tantos anos. Não foi você que me tirou da segurança do meu lar, você me achou perdida e me deu as ferramentas para lutar, me ensinou a olhar o Sol e não temer. Como posso me esquecer de você, se o que eu sou foi você que fez? É difícil unir o antes e depois, as crenças e os fatos, e não se perder mais ainda. Não quero mais a caverna com sua fogueira, no conforto da casa de minha mãe, mas não também não preciso ser essa ideia divina. Quando te vi não precisei mais correr, nem me esconder, mas agora estou só de novo e o que mais pesa é a ausência. Não somente a sua, mas a de meu pai, de meu irmão e de outras figuras masculinas que crescem e se aperfeiçoam na falta, nos meus sonhos infantis. Às vezes, ainda penso que procuro Lucas em todos vocês, porque me doi fazer coisas que faço por rotina e que não precisaria fazer se Lucas tivesse ficado.

Um erro a mais

Me sinto febril.
A dor por trás dos olhos me obriga a fechá-los por tempo indeterminado, enquanto escuto um cara perguntar incessantemente "city of stars, are you shining just for me?". Sorrio. Sou só. A mão que segurava a minha se afasta e não consigo alcançá-la. Mais um adeus e menos de mim para remendar no fim do dia. Meu peso de elefante embreagado cai sobre meu peito e mal respiro. O que quero? A velha que me vigia de canto de olho sabe a resposta, mas não me dirá, benevolente. Reparo no meu jardim secreto e vejo quantos sonhos morrem, uns por falta outros por excesso de água - sempre os mesmos versos baratos a guiar meus passos na escuridão da casa. O vazio do outro. O lugar frio na cama que não mais me aconchega. Eu, fria, jurando por tudo que há de mais sagrado, que não sofro, mas o travesseiro sabe das lágrimas e dos gritos mal contidos.
Elevo meus olhos para os montes, como me torno meu socorro? A Natureza tudo sabe e tudo compartilha, assim como meu pai. Meu pai é a minha Natureza, nele moro e dele depende meu alimento. Sorrio. O que eu quero? Um abraço sincero. Quero que a dor passe, que a mão não se afaste tanto assim da minha, que no rosa da madrugada eu encontre o peito amado e nele me aninhe. O mais importante: quero que ele queira ficar, porque sabe que sou suficiente e que o amo.
No meu delírio febril, vejo a velha se aproximar, ela ri. Seu sorriso é diferente do meu - o dela é verdadeiro. Escuto seus sussurros, mas não os entendo. Seu peso sobre o colchão me traz de volta à realidade, mas qual realidade? Ela toca minhas costas, lá dentro dos meus pulmoẽs. Respiro aliviada. Ela se vai. A dor fica, mas já não estou mais desesperada.