terça-feira, 24 de maio de 2011

Pensei que amava. Também imaginei ser amada e, por isso, continuava a pensar que amava. Hoje me disseram que não é amor o que trago no peito, é dependência. Sou dependente e pensei amar alguém. Meu peito se rasga em detalhes que nem eu mesma sei de onde vieram. Estou sempre perdendo partes por não prestar atenção em onde caem. Costumo cair o tempo todo. Talvez para ver quem se importa, ninguém nunca voltou por amor ou piedade. Continuo a cair o tempo todo. Meus olhos procuram a lua de dia ou de noite, e uma vez, lá na UnB, enquanto esperava um amigo sair do B.B., me supreendi ofuscada por um poste que sabiamente se passou por lua e ganhou um suspiro de amor. Nos postes da UnB se confunde a lua. Sorrio para não chorar, para não lembrar que tudo isso que faço hoje é para um outro, que não sou eu. Apoio a cabeça na mochila e vejo que não sou feliz, uma voz atenta quase grita por medo de eu me perder "não pára, não, Guinha!! Por favor, não pára, não..." Por ela prossigo. Pela amizade dela, volto todos os dias, porque fui cativada, porque fui chamada Guinha... Mas não é só por isso não, é também porque já choramos juntas, amamos o mesmo professor, participamos do mesmo grupo, falamos a mesma língua, sonhamos o mesmo mundo... ela é o filtro que me ensina a ser boa, que faz com que eu pense em estrelas risonhas antes de dormir... Ela é Sarah .(a menina do poema aqui debaixo ^^)..
Hoje, creio que pela primeira vez chorei de alegria por saber que tenho um amigo que olha nos olhos e responde a todas as perguntas, dolorosas ou não, pessoais demais ou não...o alívio foi tão grande que se transformou em lágrimas. Não sei quanto a ele, mas eu me sinto menos pesada um pouco. 
Olho meus olhos no espelho e vejo que consigo depender de mim por pelo menos um dia, mais um dia. Porque quero sentir por mim o que sentia por aquele que julgava amar, quero que  eu seja para mim o que ele foi. Sei que vou me decepcionar muitas e muitas vezes, que marcarei encontros vãos, pois não irei, que minha solidão será plena, que cairei várias e várias vezes ainda, mas se eu não voltar para mim, quem saberá que fiquei para trás? Sinto uma certeza aguda de que dor alguma, um dia, me fará desistir, mas para chegar lá, preciso aprender com minhas fraquezas, mentiras, carapuças, senão serei sempre a mesma. Não mudar é ficar 1000 anos mais velho a cada hora, é já ter morrido e não saber, por isso mudo 1000 vezes por dia, troco de opinião, de time, tento me encontrar nas mentiras que conto, nos sonhos-pesdelos que tenho, faço a lição de casa antes de me deitar para brincar, a noite inteira, caso consiga.
E não importa o que eu faça, trago no peito a certeza de é amor, sim. 


sexta-feira, 20 de maio de 2011

Homenagem à Sarah (Salinda, para alguns...)



O RATO E A COMUNIDADE

1

O rato apareceu
Num ângulo da sala.
Um homem e uma mulher
Apareceram também,
Trocaram palavras comigo,
Fizeram diversos gestos
E depois foram-se embora.

? Que sabe esse rato de mim.
E esse homem e essa mulher
Sabem pouco mais que o rato.


2

Passam meses e anos perto de nós,
Rodeiam-nos, sentam-se com a gente à mesa,
Comentam a guerra, os telegramas,
Discutem planos políticos e econômicos,
Promovem arbitrariamente a felicidade coletiva.
Conhecem nosso paletó, camisa e gravata,
Nosso sorriso e o gesto de mover o copo.
Têm medo de nos tocar, não conhecem nossas lágrimas.
? Que sabem do nosso coração, do nosso desespero, da nossa
[comunicabilidade.
Que sabem do centro da nossa pessoa, de que são participantes.
...Subúrbios longínquos, esses homens.


3

Entretanto cada um deve beber no coração do outro.
Todos somos amassados, triturados:
O outro deve nos ajudar a reconstituir nossa forma.
O homem que não viu seu amigo chorar
Ainda não chegou ao centro da experiência do amor.
Para o amigo não existe nenhum sofrimento abstrato.
Todo o sofrimento é pressentido, trocado, comunicado.
? Quem sabe conviver o outro, quem sabe transferir o coração.
Ninguém mais sabe tocar na chaga aberta:
Entretanto todos têm uma chaga aberta.



4

Desconhecido que atravessas a rua,
? Que há de comum entre mim e ti.
A mesma solidão e a mesma roupa.

Procuras consolo, mas não podes parar.
És o servo da máquina e do tempo.
Mal sabes teu nome, nem o que desejas neste mundo.
Procuras a comunidade de uma pessoa,
Mas não a encontras na massa-leviatã.
Procuras alguém que seja obscuro e mínimo,
Que possa de novo te apresentar a ti mesmo.


5

A mulher que escolhemos, a única e não outra
Dentre tantas que habitam a terra triste,
Esta mesma, frágil e indefesa, bela ou feia,
Eis o mundo que nos é de novo apresentado
Por intermédio de uma só pessoa.

Esta é a que rompe as grades do nosso coração,
Esta é a que possuímos mais pela ternura que pelo sexo.
E nada será restaurado no seu genuíno sentido
Se a mulher não retornar ao seu princípio:
É a máquina instalada dentro dela que deveremos vencer,
Quando esta mulher se tornar de novo submissa e doce,
Os homens pela mão da antiga mediadora
Abrirão outra vez um ao outro os corações que sangram.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Um fato e algumas Conclusões


FATO: todos os anos, as lâmpadas dos postes são trocadas,por mais que estajam funcionando perfeitamente. Ano passado, como ocorre em muitos deles, havia um ninho entre a lâmpada e a proteção do poste. Quando esta foi retirada, o ninho caiu. A lâmpada foi trocada. Depois de alguns minutos, entretanto, duas andorinhas voavam alvoroçadas de um lado para o outro, dando rasantes e subindo alto, alto... Era o ninho delas que estava no chão. Além disso, era o ovinho delas que estava quebrado.

CONCLUSÃO 1: De que era feito o ninho, não me atentei, mas sabia que muitos daqueles gravetos vieram de longe, eram pesados e coloridos. Também sabia que o ninho é muito mais do que um porto seguro para onde se pode voltar todos os dias, é quente e possui o cheiro que todo lar de verdade tem: suor misturado com saliva, com lágrima, com farelo de comida. Quantos de nós sabemos ser ninho para o estranho que perambula ao nosso lado? (nossos pais, nossos amigos...) Quantos o querem ser, mas não sabem como sê-lo? DICA: precisa-se de gravetos de muitos lugares diferentes; de muita saliva para colocá-los juntos e sem brechas, por onde o frio não mais entrará; de um lugar seguro para que, quem veio, possa voltar sem erro e para que, quem virá, chegue transbordante por não ter errado o caminho. Mas ser ninho não é apenas construir um comôdo no peito e dizer "há vagas", tem de mostrar o coração pulsando, oferecer um pouco de seu próprio sangue e não desistir jamais daquele que veio sem saber como pedir ajuda. É essa a diferença de um ninho bom para um não-tão-bom-assim: saber sofrer junto, saber carregar a mesma dor pelo tempo que for necessário, saber amar sem pedir amor, cuidar sem querer cuidado... CUIDADO: não confundir ninho com porto. O ninho é caloroso e sempre dá vontade de voltar quando estamos longe, tem nossos gostos espalhados por cada pedacinho e nunca nos sentimos sós, e sentimos tanta paz que não sabemos se dormimos ou choramos de alegria. O porto é frio e indeferente, recebe a todos da mesma forma e nunca se deixa mudar por quem passa. Os ninhos não-tão-bons-assim tendem a se tornar portos ao passar do tempo, por inexperiência ou frustração, quem sabe?

CONCLUSÃO 2: não devemos temer a queda, pois somente nós mesmos podemos nos derrubar, da mesma forma que somente nós podemos nos fazer do melhor que a vida oferece, para darmos o melhor àqueles que nada tem. Quem escolhe ser ninho deve ter sempre em mente que o trabalho não cessa, que há de se ter em mãos, a qualquer hora, palavras de consolo e de exortação, de carinho e de bronca, que nossos lábios não proferirão, em tempo algum,  injúria, nem nosso olhar será  indiferente ou cruel (por mais odiosas que sejam as palavras de quem veio até nós), que nosso coração olhará na alma do outro e compreenderá sua dor, escolhendo o amor à raiva. CUIDADO: ser ninho não significa ser ingênuo. Temos que tomar cuidado com aqueles maquinam nossa queda. 

CONCLUSÃO 3: Da mesma forma como as andorinhas voavam e revoavam sobre o ninho caído, quem decide ser ninho não pode desistir daquele que cai, que sofre, que jura a morte a todo instante. Se houvesse uma regra única seria: NUNCA DESISTA DE QUEM SOFRE. Pois somos o abrigo, mas também o abrigado, somos a força do fraco, mas nos alimentamos na força de alguém mais forte. A lém disso, não sabemso quando seremos derrubados, por isso ensinamos os outros a construir ninhos dentro de si, para serem fortes os que, um dia, foram fracos, para nos acolherem na nossa fraqueza de seres humanos.  

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A Prosa Impúrpura do Caicó, Chico César



Ah! Caicó arcaico
Em meu peito catolaico
Tudo é descrença e fé

Ah! Caicó arcaico
Meu cashcouer mallarmaico
Tudo rejeita e quer

É com, é sem
Milhão e vintém
Todo mundo e ninguém
Pé de xique-xique, pé de flor

Relabucho, velório
Videogame oratório
High-cult simplório
Amor sem fim, desamor

Sexo no-iê
Oxente, oh! Shit
Cego Aderaldo olhando pra mim

Moonwalkmam

terça-feira, 10 de maio de 2011

Blue, Leigh Nash


Everything is green, everyone is blue, and me too
Be careful for what you dream, 'cos my dream was you
And you came true


I tried to know you, but to know you, is to be blue
And I'm blue, and I'm blue

I'll say goodbye to me, I'll say goodbye to you, 'cos I can't move
The world won't bend, you know, for you to see the love, is worth all the trouble

I tried to know you, but to know you, is to be blue
And I'm blue, and I'm blue

[There is a dream that I can't fit in] There is a dream that I can't fit in
A lead that I can't fill, all of my hopes have been diminished, you're not having it, I'm trying to give, oh

I tried to know you, but to know you, is to be blue
I said goodbye but I'm still in love with you
And I'm blue, and I'm blue

domingo, 8 de maio de 2011

Quando tudo passa... não deixa rastros

Bem, sem música ou poema não há beleza no dia. Minhas impressões não contam e me pediram para não escrever diários, não mais. Sinto que ainda responda no meu tempo, que ainda faça o que é preciso quando entendo que a hora é a certa, me disseram que se chama "respeito", e no meu caso é egoísmo. Não posso te dizer: "nada disso é para você", estaria mentindo. Mas dizer "tudo é porque ainda me importo" também seria mentira. Afinal, você faz parte da minha vida, menos intensamente agora, porém está escrito no livro que trago no peito A2 em algum lugar... 
Meu único receio ao começar isso aqui era seus sentimentos, sabia que aconteceria, sabia que voltaríamos ao banco e não me importo de ir toda vez que você precisar, eles são importantes para mim, creia, só que eu fui embora e eu te disse adeus, para você não me esperar, talvez nunca volte, entenda. 
Você ainda me deixa confusa, mas não por viver a dúvida gosto- não-gosto, e sim por pensar faço-sofrer-não-faço-sofrer. Talvez você seja uma das únicas pessoas com quem me importa o estado do coração. Por amizade, preocupação... não posso dizer o motivo, não sei. Mas consigo saber que ouço O Teatro Mágico porque você me apresentou, que você foi o relacionamento mais sério que eu tive até hoje, que todo meio-fio me faz sorrir, que fico sem graça quando passo em frente a Anhanguera do Taguatinga Shopping. De tudo isso sei e guardo no peito, na lembrança, e também no esquecimento. Desculpe... você não faz idea do quanto eu gostaria de gostar de você como sei que gosta de  mim... somente acredito que não escolhemos de quem vamos gostar, mas o tempo e a intensidade podem ser controlados. É o que me move, é o que faz com que eu olhe para frente depois de um amor frustrado ou interrompido ou simplesmente platônico. Não vivo mais amores impossíveis, nem sonho mais com os meninos do clubinho rival ao meu...
Vou acrescentar comentários às músicas, ás fotos e aos textos, mas eles ficam porque dizem o que sinto magnanimamente... ok?
=D
Te encontro por aqui e por aí, é só marcar...


sexta-feira, 6 de maio de 2011

Quando o amor se revela, Fernando Pessoa



Enquanto não superarmos
a ânsia do amor sem limites,
não podemos crescer
emocionalmente.

Enquanto não atravessarmos
a dor de nossa própria solidão,
continuaremos
a nos buscar em outras metades.
Para viver a dois, antes, é
necessário ser um.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O que fazer agora?

Fico feliz que tenha ficado feliz em ler o meu texto por aqui, minha vida está numa corrida alta velocidade, mas acho que a partir de hoje deve ficar um pouco mais tranquila. Entreguei meu projeto de monografia quase que 100% finalizado, terei (assim espero) um pouco mais de tempo para escrever.

Confesso que as vezes penso que todos esses textos ou pelo menos trechos deles são indiretas pra mim, fico pensando, “cara, parece que ela ainda gosta de mim da mesma forma que gosto dela”. Mas não sei até onde isso é real ou imaginário, aliás, o que é real ou imaginário nas nossas vidas? Já tenho vivido grandes sonhos e tantos outros já abandonei que nem sei quando foi que fizeram parte de algum desejo meu.

As vezes penso em querer volta a viver aquele mundo imaginário que vivemos anos atrás, penso em correr atrás e fazer o possível para isso acontecer. Não sei até onde tenho forças para isso ou se você tem essa força.

Agora o que fazer? Quero continuar a escrever, ler o que escreve (gostaria que escrevesse e não publicasse sempre trechos alheios) pensar que são indiretas e continuar com isso que sinto a cada leitura, a cada palavra que leio e escuto a sua voz no meu inconsciente falando comigo. Seria isso loucura?

Vamos fazer disso um diário, escrever sobre nossas vidas, assim, não ficaremos longe um do outro e a distância é uma mera fronteira a ser quebrada, já que citei essa fronteira, há a possibilidade de sairmos nós dois?

Será que se lembra da música?



An!
Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. C. L.

terça-feira, 3 de maio de 2011

"Dói muito, mas eu não vou parar. A minha não-desistência é o que de melhor posso oferecer a você e a mim neste momento." Caio Fernado Abreu

Não sei quanto tempo faz desde nossa últma conversa, mas tanta coisa mudou... jamais saberia te contar todos os sonhos que tive, e que não se realizaram; todas as alegrias que vivi, e que não soube agradecer; todas as vezes que chorei, com e sem motivo aparente. Ouço música para disfarçar minha dor. Faço comida para ter desculpa para cantar. Vou à faculdade para ver gente e ouvir coisas que não entendo. Leio livros para me sentir viva. Me apaixono todos os dias por pessoas que admiro. Começo uma conversa por receio de parecer orgulhosa. Penso em tudo que fiz antes de dormir, mas meu último pensamento sempre é: "como será amanhã?". Visito a mesma sala de aula para lembrar um amigo. Corro de mim o dia inteiro e sento ao meu lado quando volto para casa. Me sinto ausente a maior parte do tempo. Abraço bem apertado para a pessoa se sentir querida, talvez seja o único momento do dia em que ela se sinta assim. Tomo sorvete para escapar da tristeza que, de vez em quando, cola em mim que nem chiclete. Banho demorado para sentir molhar a alma. Sorrio de canto de boca para lembrar o bebê. Conheço um menino chamado Sejoga que vende bombom. Vivo me perguntando "agora?... agora?... agora?" para que algo aconteça enquanto espero (mas Clarice diz: "não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue"). Quero, ainda que por teimosia, uma flor na minha janela, uma carta no correio, um dia nublado pra ler Neruda. Além disso, quero um pudim na geladeira e alguém em quem eu possa pensar o dia todo, sem culpa, sem alegria, sem amor ou desesperança. (Ouço a Fátima Bernardes e parece que ela diz: "ó páqui". Ilusão). 
Gosto de você. Me sinto tão triste hoje, como alguém que de repente percebe a morte do filho. Mas quem morre em mim todo o dia? E quem renasce? Por que vou, se sei que volto sempre ("vou voltar, haja o que houver eu vou voltar, já te deixei jurando nunca mais olhar pra trás, palavra de mulher, vou voltar...")? A expectativa do Dia Novo me exaspera e me faz sonhar coisas loucas, como aquela mulher, cuja profissão era sonhar, que um dia conheceu Neruda que sonhou que ela sonhava com ele. Depois foram descobrir que ela também sonhara que ele sonhou com ela. Acordo. Não há nada de novo debaixo do céu, nem dentro do coração do homem. O Dia Novo não veio. E o que importa? Esperar já não espero. Sigo com aqueles que, por sentirem a garganta seca, de repende percebem que estavam boquiabertos ante o deslumbrante fremer da vida.




No Dia em que Ele foi Embora, Chana de Moura


Recordo-me claramente daquela madrugada. Eu já não pegava no sono há duas noites, pouco dormia desde que descobrira o seu segredo. O que viria depois? Levantou-se lentamente, calçou as botas sem preocupar-se em recolher os pertences espalhados pela casa. Percebi que tentou ousar um sutil e carinhoso toque em meu corpo. Em um seguinte gesto de mero carinho, cobriu-me com a coberta. Sua redenção. Eu carregava a certeza de que não estava partindo por não mais me desejar. Porém, nem toda certeza conforta o coração da gente. Abriu a porta lentamente e por ali nunca mais voltou. Nunca mais o vi. Nunca mais nos veríamos. Nunca mais nos vimos. Nunca mais. Nunca. Permaneci em silêncio sôfrego presenciando a cena diante da escuridão do quarto. Quando percebi sua distância, levantei e caminhei até a janela, observei friamente seu vulto atravessar a rua lá embaixo, dotado de uma pressa incomum, a pressa de se ir para lugar algum. Para se ir embora de si mesmo, era uma fuga. Não cedi. Não cedi a ele, nem cedi à decepção, nem cedi à eu mesma, enlouquecendo por dentro. Notei uma carta em cima de seu travesseiro ainda aquecido por seu corpo quente, nenhuma dor ou rancor havia em meu peito. Sem entender ao certo e sem apresentar resistência ao acontecido, abri e iniciei a leitura daquele bilhete escrito a seu próprio punho. A carta não indicava o destinatário e nem, sequer, o remetente, poderia ser endereçada à qualquer pessoa. Porém, era endereçada, eu sabia, a mim. E havia sido escrito através de suas mãos, através das mãos que eu ainda posso recordar. Ele escreveu:

"Eu gosto de você. Meus 850 anos passaram a possuir algum resquício de sentido desde o momento em que dirigi a palavra a você pela primeira vez. Porque eu gostei de você desde aquele dia, desde o sempre, desde o nosso sempre. Gosto de você e das suas mentiras. Na realidade, não sei ao certo se aprecio mais aquilo que você forja ser ou sua devoção ao parecer ser este outro alguém. Você é meu camaleão de rebeldia conformada a tombar somente impérios já massacrados. Você. Gosto da sua fúria contida entre um beijo e um abraço e entre a sua própria vontade. Gosto desse seu circo onde não há alegria de palhaços, desse seu carnaval sem lantejoulas e samba, e gosto de a ver quando dança sozinha na sala, pensando que não a estou observando, ao som de música alguma. Seu dançar é um poema, meu amor. Mas meu gostar é gélido.

Você possuí um bocado de sonhos possíveis, mas, ao menos, ainda sabe como sonhar. Seu desejo maior é jamais parar de sonhar. Eu a conheço, um pouco.

Me convoca a imaginar. Você nasceu somente metade. Uma metade nascida para que eu pudesse a completar. E a transbordar. Sua loucura é tão calculada, e seu passo é quase sempre errôneo. Você nem tem tanta força nem tanta alegria, mas você é aquilo que nasceu para ser. E com tamanha coragem, o é. Eu nasci para ser, mas jamais batalhei em meu nome. Jamais me olhei perante um espelho. Desisti. Como fiz inúmeras vezes antes, desisti. Desisti imaginando que o coração se acalmaria aos poucos, com o passar dos séculos.

Quando o tempo se fez negro, você, que é fraca, alcançou a luz. Quando despenquei ao fundo de um poço, eu, que sou forte, cruzei os braços e, solitário, chorei.

Gosto porque você não é e nunca será uma rainha, uma condessa ou uma nobre dama da sociedade. Eu gosto de você pois é, entre tantas, a mais mulher de todas. A única que capaz de em mim chegar. Gosto de você por cada um de seus encantadores defeitos que, de tanto amor, eu transformei em qualidades.

Gosto de você tanto quanto é preciso gostar para o poder chamar "amor". Eu amo você tanto quanto se pode amar alguém que não a gente mesmo, e espero que isso baste para você me entender agora.

Você está acordada ao meu lado neste exato momento, fingindo dormir. Olhos arregalados percorrendo cada centímetro desta parede vazia. Está terrivelmente assustada. Eu estou mais. Posso te ver, meu amor. A parede não responderá suas perguntas, as nossas perguntas. Tampouco eu. Tampouco você. Tampouco vida porque esta ditadora dispensa a explicação. Devemos aprender por nós mesmos.

Gosto do jeito com o qual me olha, como se fosse eu todo o mistério sagrado contido em seu infanto olhar. Não há nada de novo em mim, a não ser você que será sempre meu futuro e meu passado de agora em diante.

Por quê? — Eu pergunto. Por quê? — Você pergunta.

Os homens são sempre covardes, agora chegou a minha vez. Por isso, vou partir.

A vida agraciou-me com a força de poder suportar a eternidade de uma vida, mas não concedeu-me a força de suportar a perda de um amor.

Eu não sei. Você não sabe. Nós não sabemos. Nunca saberemos."




segunda-feira, 2 de maio de 2011

As time goes by, Luis Fernando Veríssimo

Conheci Rick Blaine em Paris, não faz muito. Ele tem uma espelunca perto da Madeleine que pega todos os americanos bêbados que o Harry’s Bar expulsa. Está com 70 anos, mas não parece ter mais que 69. Os olhos empapuçados são os mesmos mas o cabelo se foi e a barriga só parou de crescer porque não havia mais lugar atrás do balcão. A princípio ele negou que fosse Rick.

- Não conheço nenhum Rick.

- Está lá fora. Um letreiro enorme. Rick’s Café Americain.

- Está? Faz anos que não vou lá fora. O que você quer?

- Um bourbon. E alguma coisa para comer.

Escolhi um sanduíche de uma longa lista e Rick gritou o pedido para um negrão na cozinha. Reconheci o negrão. Era o pianista do café do Rick em Casablanca. Perguntei por que ele não tocava mais piano.

- Sam? Porque só sabia uma música. A clientela não agüentava mais. Ele também faz sempre o mesmo sanduíche. Mas ninguém vem aqui pela comida.

Cantarolei um trecho de As Time Goes By. Perguntei:

- O que você faria se ela entrasse por aquela porta agora?

- Diria: “Um chazinho, vovó?” O passado não volta.

- Voltou uma vez. De todos os bares do mundo, ela tinha que escolher logo o seu, em Casablanca, para entrar.

- Não volta mais.

Mas ele olhou, rápido, quando a porta se abriu de repente. Era um americano que vinha pedir-lhe dinheiro para voltar aos Estados Unidos. Estava fugindo de Mitterrand. Rick o ignorou. Perguntou o que eu queria além do bourbon e do sanduíche do Sam, que estava péssimo.

- Sempre quis saber o que aconteceu depois que ela embarcou naquele avião com Victor Laszlo e você e o inspetor Louis se afastaram, desaparecendo no nevoeiro.

- Passei quarenta anos no nevoeiro - respondeu ele. Objetivamente, não estava disposto a contar muita coisa.

- Eu tenho uma tese.

Ele sorriu.

- Mais uma...

- Você foi o primeiro a se desencantar com as grandes causas. Você era o seu próprio território neutro. Victor Laszlo era o cara engajado. Deve ter morrido cedo e levado alguns outros idealistas como ele, pensando que estavam salvando o mundo para a democracia e os bons sentimentos. Você nunca teve ilusões sobre a humanidade. Era um cínico. Mas também era um romântico. Podia ter-se livrado de Laszlo aos olhos dela. Por quê?

- Você se lembra do rosto dela naquele instante?

Eu me lembrava. Mesmo através do nevoeiro, eu me lembrava. Ele tinha razão. Por um rosto daqueles a gente sacrifica até a falta de ideais.

A porta se abriu de novo e nós dois olhamos rápido. Mas era apenas outro bêbado.


(Este texto está nos livros Comédias da vida privada e A velhinha de Taubaté.)

"Cantiga para não morrer" e "Traduzir-se", Ferreira Gullar

Cantiga para não morrer
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.


Traduzir-se


 Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.


Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.


Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.


Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?