segunda-feira, 13 de junho de 2011

Trecho I de O Encontro marcado, de Fernando Sabino



"Olhem: comunico-lhes, solenemente, que está fundado o terrorismo.
Base do novo movimento: preconizar e difundir o terror, de todas as maneiras, em todas as suas manifestações. O Terror nas Letras, cujo protótipo seria a novel 'Metamorfose', de Kafka.
 - Kafka era um terrorista. Incentivar todas as situações terroristas, estabelecer o pânico, lançar o terror.
- E a solução?- perguntou Mauro.
- A solução é a conduta católica- respondeu o amanuense Belmiro.
- A solução é o próprio problema, sabe como é? Não há solução. Imagino a seguinte cena: um congresso de sábios, os mais sábios do mundo, que se reuniram para resolver o problema dos problemas, o problema transcedental, o Problema, tout-court.
- O problema o quê?
- Tout-court. Vá à merda.
- Ah, tout-court. Merci.
- Pois bem: estáo reunidos, os sábios, a postos para começar a trabalhar, encontrar a solução do problema e o Presidente do Congresso dá por iniciada a sessão, anunciando que vai, enfim, dizer qual  é o Problema que os reuniu. Faz uma pausa, e declara solenemente: 'Meus senhores! O problema é o seguinte: Não há problema!'
- E daí?
- Daí os sábios terem de resolvero problema da inexistência do problema. É o terror.
- Confesso que não entendo.
- Vocês não entendem porque são burros: no nosso caso, é a mesma coisa. Só que há o problema, o que não há é a solução. Logo, está solucionado.
- E qual é o problema?
- O problema é o terror.
- Ah!
Calaram-se, os três, e riram, deslumbrados à ideia de que agora sim, setavam completamente doidos- os pais tinham razão.
- Es una cosa terrible, la inteligencia!
- Unamuno não era terrorista.
Dê três exemplos de situação terrorista.
- Um grito dentro da igreja, uma gargalhado no velório, um árabe no elevador.
- Muito brando. É o que se pode chamar, apenas, de 'terrorismo cor-de-rosa'. O verdadeiro terrorismo é o absurdo mais terrível, por exemplo: o do homem que se apaixona por um fio de cabelo da amada, e quer viver com ele, dormir com ele, ter filho com ele...
- É, meus amigos, o inevitável aconteceu.
- Bom lema para o terrorismo: O inevitável aconteceu! Se considerarmos o aconteceu, aí, como substantivo e não como verbo.
- Precisávamos é de uma coisa para símbolo.
- A coisa- prosseguiu Eduardo- A Coisa é o símbolo. Ninguém sabe o que é. Está em toda parte e não está em lugar nenhum. Assume todas as formas. Pode ser um sentimento, um objeto, uma cor- só tem que ser coisa, isto é: um substantivo. Por isso concluímos, há pouco, que aconteceu nçao era verbo. Onde a Coisa estiver, aí estará o terror.
Os outros ouviam, um tanto apreensivos. Eduardo falava sem parar:
- Me lembrei de uma coisa inventada por Salvador Dali- a Coisa era um pão. Sairia no jornal como manchete assim: 'O Inevitável Aconteceu- A Descoberta do Pão.' Um pãp monumental exatamente igual a um pão francês comum. A diferença estaria no tamanho: mediria dois metros de comprimento. O pão era encontrado na rua, levariam para a polícia. Estará envenenado? Conterá explosivo? Propaganda política? Os comunistas, o pão-para-todos? Anúncio de padaria? Os jornais comentavam e discutiam o que fazer do pão. Era só o assunto ir esfriando, e um pão maior ainda, de cinco metros, amanheceria atravessado no viaduto. Toda a cidade empolgada com o mistério, a polícia desorientada, o pão analisado nos laboratórios. Econtinuava o problema: o que fazer com ele? Para despistar, um  de nós escreveria um artigo sugerindo que fosse cortado em milhares de pedaços e doado à Casa do Pequeno Jornaleiro. No Rio, em São Paulo, Recife, Porto Alegre começavam a aparecer pães, cada vez maiores, nos lugares públicos. Eram membros de uma sociedade secreta já fundada, a Sociedade do Pão, que começava a trabalhar. E um dia surgiria outro pão gigantesco em Roma, outro em Londres, outro em Nova Iorque. A humanidade deixaria de se preocupar com seus problemas, as guerras seriam esquecidas, até que se resolvessem o mistério do pão. Era a vitória pelo Terror.
- Você já penso no tamanho do forno para assar esse pão?
- Isso não é problema para nós: a ideia é de Salvador Dali, que aliás, é um vigarista.
- É uma besta.
- Falso terrorista
- Abaixo Dali!"

(trecho retirado de O Encontro Marcado, cap.A Geração Espontânea, p. 67-69, 45ª ed 1984)

Nenhum comentário:

Postar um comentário