Foi assim: era ainda cedo, estávamos na parati cinza meu pai, eu, meu irmão e minhas irmãs. Passeávamos sem destino, música na rádio, todos cantando. Paramos para pedir informações. Minha irmã mais nova foi à farmácia do outro lado da pista, meu pai e meu irmão se sentaram em bancos de concreto, numa praça com árvores e eu e minha outra irmã fomos andar. Lembro de olhar para trás, gritar "estamos logo ali! Não nos esqueçam!", meu pai tira os olhos do mapa e sorri. Sei que estamos bem, que chegaremos ao nosso destino. Quando me dou conta, estou logo atrás da minha irmã, entrando por um corredor estreito, olho para cima e vejo o ceu azul. O corredor dá para um pátio com várias portas para outros corredores e outros pátios e outras portas. Descrevo melhor: as paredes eram feitas de tijolinhos marrons, sem telhado algum, mesmo nos cômodos sem portas ou janelas, apenas os espaços vazios. Não havia pichações, não estava sujo, velho ou mofado, muito pelo contrário, estava varrido, sem folhas, apesar das árvoes do parque, e tudo cheirava a barro molhado. Era lindo. Enquanto caminhava, deixei meus dedos tocarem as paredes úmidas. A cada esquina, havia um cômodo vazio, vários outros corredores ou um pátio com bancos, fontes de concreto ou árvores. A cada esquina um deslumbramento. Minha irmã logo puxou assunto com um rapaz alto, barbudo e forte que também andava por lá. Ao contrário da gente, ele sabia onde estava, mesmo naquele labirinto. Ele se apresentou e começou a mostrar o lugar com um certo orgulho de proprietário. Era ele que mantinha o lugar impecável. Minha irmã e ele começaram a trocar olhares, sorrisos e eu saí de perto à tempo de entrar num cômodo que julguei estar vazio, mas não estava. Tinha uma cama de casal com uma coberta jogada, uma escrivaninha com vários livros, um guarda-roupa entreaberto e um tapete. Olhei com atenção todas aquelas coisas, no chão, sobre o tapete, entre a cama e o guarda-roupa, uns óculos pretos estavam sobre revistas, peguei-os no intuito de colocar sobre a mesa, senão o dono poderia pisar neles. Ao colocá-los na mesa, reparei numa foto de vários jovens e adultos, colada no espelho. "Quem será você nesta fotografia?", olhei rosto por rosto até encontrar o par de óculos. Ele era absolutamente lindo. Ouvi a voz da minha irmã chamando e saí do quarto. O rapaz me disse que ali dormia seu colega, mas que ele tinha saído num assunto urgente. Ele me disse o nome dele, mas não me lembro. Do que eu me lembro, entretanto, é de dizer que aquele rapaz era o homem da minha, pelo qual eu esperei todo aquele tempo, que seu amigo deveria dizer a ele que eu estava lá, que eu tinha chegado para que pudéssemos nos encontrar e que eu jamais poderia me esquecer os óculos de armação preta sobre as revistas no chão, que eu já tinha visto a fotografia, porque era assim que nos reconheceríamos nesta vida. Ouvimos nosso pai chamar do lado de fora e fomos até ele. Fim.
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