O papo estava bom, tranquilo como sempre é ao lado de Luisa. De repente ela me confessa algo já tão ingênuo que preciso ver com meus próprios olhos. Luisa está apaixonada por um livreiro de um sebo em sua quadra. Quero vê-lo, medir-lhe a altura e tamanho dos sonhos, escutar-lhe a voz, o que me dirá os olhos e mãos. Caminhamos lado a lado, como convém caminhar com uma amiga, olhamos árvores, lojas, carros, a vida que nos rodeia. Ela me pergunta o que ando lendo nesses últimos tempos e lhe digo que nada muito especial que deva ser seguido, mas Mulheres que Correm com os Lobos é sempre uma obra de auto-revelação e que Saramago deve ser provado aos poucos, num desejo obtuso de conhecer o profundo do mundo. Chegamos à porta do sebo minutos antes de fechar. Em frente à porta, dezenas de livros ofertados por dois reais. Escolho um pelo título, "De Bar em Bar", pela imagem da capa e por ser velho, ter cheiro de velho e páginas amareladas. Puro prazer. Ela segura em minha mão enquanto vamos santuário à dentro. Várias prateleiras empilhando livros e mais livros, divididas por gêneros, em corredores estreitos, com caixas espalhadas pelo chão. Um caos. Ao fundo de tudo isso, um rapaz alto, de cabelos castanhos escuros e pouca barba nos mede desde antes da porta e sorri. Perguntamos sobre Clarice e ele começa a conversar. Olho em volta e me lembro de outra livraria maior do que esta, na asa sul, onde vi o Amor desabrochar diante de mim e de onde fui embora de olhos fechados. Rapaz gentil, nos trouxe os exemplares que tinha, falou da procura insana por Clarice nesse último mês, "hoje e sempre", retruquei sem me dar conta. Eu falava mais comigo do que com as duas outras pessoas no recinto. Tantos livros, tantos sonhos maravilhosos, histórias, viagens, dores, amores... Eu, abraçada com meu livro, não conseguia pensar em nada para ajudar Luisa a manter a conversa, embasbacada que sempre fico em livrarias intimistas como aquela. Ela me pagou o livro e me prometeu uma dedicatória. Fomos embora. Duas adolescentes ao encontro do amor, ou seu resquício, pelo menos. Luisa ficou feliz, disse-lhe todas as minhas impressões, compartilhamos o que tínhamos acabado de vivenciar, e pareceu dois universos diferentes. Luisa, em sua agonia de não saber o que ser para interessar o jovem livreiro, conversando sobre Clarice e suas tiragens, numa expectativa crua por um sorriso, um telefone, um convite para um café, e eu, querendo todos aqueles livros, segurando com todo o cuidado e amor um livro, cujo único benefício era o título. Pelo caminho, folheei suas últimas páginas e descobri, com imensa surpresa, que a personagem principal era a mesma de meu livro favorito. Numa outra encarnação, pelo menos, Theresa e Tomas foram irmãos, não compartilharam muito da vida juntos, já que ele morrera na Guerra do Vietnã, e ela adoecera ainda criança. O laço que os uniu permanece. Em quantos outros livros, eles caminham juntos um pedaço do caminho? Luisa me dedicou dizendo "você me faz lembrar da luz que existe em mim". Eu te digo o mesmo. Existe música em mim hoje, graças a você.
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