A certeza de que o dia seria bom veio ao acordar. Não foi em você que pensei ao abrir os olhos, não houve dor. A solidão não me acompanhava. As mãos submersas, o pensamento vago entre uma onda e outra, o barulho incessante das crianças, a água da piscina ou o frio em minhas costas, tudo me levava à areia quente frente ao mar verde transparente de Recife. Escondo a ferida entre episódios de séries ou playlists nacionais. Uso ambas as mãos para não deixar pingar no chão o sangue quente que escorre, em vão. Disfarço a ansiedade de uma mensagem ou telefonema com textos sem nexo num diário fajuto. Pensei que seríamos diferentes, apostei todas as minhas fichas e perdi. Gessinger sussurra doce e calmo ao meu ouvido "que amor era esse que não saiu do chão? Não saiu do lugar, só fez rastejar o coração..." Quantas vezes ainda escreverei sobre a gente? Entre lágrimas, ao dormir, repito meu novo mantra "Abra a mão, solte, deixe ir, está tudo bem... foi ele que não quis ficar" e de novo e de novo, até me perder em pensamentos e sonhos. Pensei que seríamos diferentes, mas me sinto insuficiente, como com todos os outros que vieram antes de você, me sinto insegura e não quero acreditar que você sente prazer ao não responder uma mensagem minha dizendo o quanto sinto saudades e como gostaria de te ter ao meu lado. Não deu certo, não quero mais. Me afasto o quanto consigo o mais rápido que posso. Arrasto comigo tristezas sem fim, frustrações, medos, sem saber distinguir entre eles e quem eu sou. Meu mosaico manchado de sangue, cada peça em chagas abertas, meu trabalho interior de cura e pintura, sempre atenta a novas feridas que sua indiferença pode causar, sempre fugindo, de olhos fechados, imaginando, no próximo passo, o abismo em que caio. Sempre Alice.
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O frio que sentia vinha do chão, ele tinha certeza. Não havia outra explicação. Desde criança, aprendeu a usar meias em casa. Que chão frio!, se espantava entre tirar os tênis e procurar as meias listradas, que sua irmã lhe dera. Acostumara-se, como quem sempre come menos do que gostaria e, por isso mesmo, pela fome constante e fina, tudo lhe incomoda os nervos. Essa fome que não mata o corpo, mas o prazer da vida. Ele vivia sem alegria alguma dentro daquela casa de chão frio. Aos poucos, percebeu que sua família, ao sol era também mais feliz, mas ao entrarem em casa, como de surpresa, ficavam frios. O que teria embaixo do chão que o deixava assim, sem vida? Ele se questionava de cima da cama, olhando para baixo com apenas um dedo a tocar o chão.
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Observo-a dormir. Seus cabelos, ainda úmidos do prazer anterior, esparramados sobre o travesseiro, deixam um cheiro bom de xampú e suor no ar. Me aproximo devagar, para não despertá-la, dou-lhe um beijo na cabeça e encosto o rosto em suas costas. Das coisas que ela faz enquanto dorme, gosto de quando passa a mão sobre mim até minha coxa, mexe suas pernas e empurra com obstinação minha perna entre as suas. Esse gesto me excita e ela sabe disso. Pressiono levemente meu quadril contra sua calcinha e, automaticamente, minha mão corre até seus seios. O gemido baixo e rouco dela, enquanto se contrai contra mim, me faz sorrir. Sinto a paz que meus pesadelos me roubam. Sinto-me mais amado quando percebo, no meio da noite, sua mão a me cobrir as costas e a acariciar meus cabelos. Ela me segura pelo punho, encosta sua cabeça em mim e me adorna de beijos. Numa manhã letárgica, ela me confessou que lera isso num livro, seu livro favorito, e que sempre tivera vontade de experimentá-lo: dormir segurando o amor de sua vida pelo punho para que ele não a abandone na calada da noite. Penso nisso várias vezes ao dia: como posso ser o amor da vida dela? Que livro é esse de onde ela tira essas coisas? Por que alguém a abandonaria na calada da noite? Pelo que, meu Deus, será que ela já passou? A minha última pergunta antes de dormirmos é sempre a mesma: você é a melequinha e eu a conchinha ou eu sou a melequinha? Ela responde que ela é a conchinha, porque, assim, ela dorme melhor, se sente mais segura. Quando a desejo em meus braços, a sentir o cheiro do seu corpo, minha mão entre suas pernas, digo simplesmente: hoje você é minha melequinha. Ela raramente argumenta, assumindo a posição tão familiar, inclinando a cabeça para o último beijo da noite. O pior é quando algo nos separa e não nos tocamos na cama, algo dito ou feito que magoou, reviveu traumas e feridas quase cicatrizadas. Ela se deita distante, eu não sei o que dizer para trazê-la para perto, não sei se posso me aproximar, puxá-la para mim, enchê-la de beijos. O frio dos lençois normalmente a traz para mim, sua tocha, meu super poder. Da última vez, quando a senti sobre meu ombro, me virei tão rápido e lhe beijei tanto, os olhos, as bochechas, a boca, o nariz, que ela se assustou um pouco, mas entendeu o gesto do meu amor desesperado e me beijou de volta. Soube, naquele momento, que estava tudo bem e poderíamos dormir tranquilos. Observo a curva de seu sorriso antes de me beijar, a forma como ergue a cabeça ao prender os cabelos em coque quando está sobre mim, o encaixe do seu corpo sob o meu. De tudo isso, o que fica são suas mãos orquestrando nossa sinfonia de prazeres, em meus cabelos, em minhas pernas, ao segurar com força o travesseiro e arremessá-lo longe. Ela me pede minha mão em casamento quase todo dia. Sorrio. O que devo responder? Não respondo nada. Vejo a tristeza aceitar o pedido e a levar para longe de mim. Imediatamente, digo algo sem graça de duplo sentido, na vã tentativa de trazê-la de volta. Ela sorri. Antes, eu mesmo a puxava com vigor e coragem das mãos sem graça e frias da tristeza que lhe impusera, mas, hoje, ela nem me pede mais nem espera ser resgatada. Hoje, vamos dormir em camas separadas, em casas separadas. Será assim daqui para frente. Guardo apenas o que consegui observar.
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