O fantasma na minha voz é Diu. A sombra nos meus olhos também. A confundo com olheiras, sangue coagulado e lágrimas secas, veredas. Não consigo voltar a ser o que eu julgava ser antes dele, não quero. Eu carrego o tributo vivo em minhas entranhas, sacrifício pronto a ser imolado, caso Ele assim o peça. Apesar da profundidade, sigo o caminho. Tento não pensar tanto, busco os sentimentos reprimidos há tempos, por eles, sim, reerguerei meu exército. É difícil determinar o quanto manterei essa postura, mas dessa vez sinto que o fantasma se afasta. Ou seria eu que me afasto dele? Ou estarei eu, aos poucos, me transformando em fantasma como ele? Medo antigo esse o de ser o fantasma que arrasta as correntes pelo corredor, abre as gavetas da cozinha, puxa pelo pé e levanta a coberta. Mais antigo ainda é o medo de me tornar fantasma ainda em vida.
Penso no que fui em vidas passadas e as relaciono com os medos que trago hoje (se as vidas atrás são parte de nós e como será?). Penso que fui bruxa devorada viva por cães e que fui monge copista queimado entre papiros e papiros. Depois, não sei. Quero saber.
Penso também no ninho de Amor entre os braços de meu pai e minha mãe. Sempre presentes. Sempre com olhos amorosos e pacientes. Eu erro constantemente, mas posso encostar minha cabeça em seus ombros largos e fortes. Dentro desse ninho, tenho paz, posso retirar as máscaras e sonhar sem amarras. Foi dolorosa sua construção, cada graveto, lápis, saliva e lodo exigiram muito dos nossos frágeis bicos de sabiá da cidade. O tempo da delicadeza e do cuidado é agora. É recíproco. É nosso.
Penso no contrapeso da balança de Anúbis. Tudo o que retiro de mim para eu caber no equilíbrio de outra pessoa. As tralhas que carrego para moldá-las e preencher os vazios. Sou mais pesada que uma pena e não há divindade felina que me salve ou me pondere. Se tento parar, as engrenagens da vida me atropelam e sou lançada de volta ao prumo. A medida de mim mesma é a soma das minhas perdas (meu pai ficaria feliz com essa última frase-título), pena que não ouvi os conselhos de Clarice.
Penso nas linhas das minhas mãos e no trajeto delas sobre outros corpos - Oliver se lembrando de Elliot. O suor, os tremores, os caminhos desbravados entre jeans, camisetas e cobertas já estão guardados no jeito acostumado, na destreza e no desinteresse, como a estrada na qual se anda mecanicamente sem notar suas nuances. Minhas mãos que anseiam ser seguradas por outras, que apertam firme a alça da bolsa ou a ponta da blusa, porque quem cai sempre leva o susto do abismo nas mãos espalmadas contra o chão para proteger o rosto.
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